O povo, a começar pelos sacerdotes, os escribas, os fariseus, os saduceus, os herodianos e semelhantes, procuram espaço para fazerem uma espécie de espiral, subindo pela estrada escarpada, passando ao longo da última elevação e descendo pela outra rua, ou vice-versa. E enquanto vão passando aos pés do monte, pela segunda pracinha, não deixam de oferecer suas palavras blasfemas como uma homenagem ao Moribundo. Todas as torpezas, todas as crueldades, todo o ódio e toda insânia de que são capazes os homens com a língua, são amplamente pronunciadas por essas bocas infernais. Os mais cruéis são os membros do Templo, ajudados pelos fariseus.
– E então? Tu, Salvador do gênero humano, porque não salvas a ti? Abandonou-te teu rei Belzebu? Ele te renegou? –gritam os sacerdotes.
E um bando de judeus diz:
– Tu, que não há cinco dias, com a ajuda do demônio, fazias dizer ao Pai… Ah! Ah! Ah! que Ele te teria glorificado, como é que nunca o fazes lembrar que cumpra a sua promessa?
E três fariseus dizem:
– Blasfemador! Salvou aos outros, como ele dizia, com a ajuda de Deus! E não consegue salvar-se a si mesmo! E queres que se creia em Ti? Então, faze agora o milagre. Não tens mais poder, hein? Agora estás com as mãos pregadas e estás nu!
E uns saduceus e herodianos dizem aos soldados:
– Cuidado com a feitiçaria, vós que apanhastes as vestes dele! Elas têm dentro de si o sinal infernal!
Uma multidão diz em coro:
– Desce da cruz e creremos em Ti. Tu que destróis o Templo. Louco!… Olha-o lá, o glorioso e santo Templo de Israel. Ele é intocável, ó profanador! E Tu estás morrendo.
Outros sacerdotes dizem:
– Blasfemo! Tu, Filho de Deus? Então, desce daí agora. Fulmina-nos, se és Deus. Nós não te amamos e cuspimos sobre Ti.
Outros passam, sacudindo a cabeça, e dizendo:
– Ele só sabe chorar. Salva-te, se é verdade que Tu és o Eleito!
E os soldados dizem:
– Então, salva-te! Reduze a cinzas esta Sodoma das Sodomas! Sim. A Sodoma do Império sois vós, canalhas de judeus! Faze isto! E Roma te levará para o Capitólio e te adorará como um Nume!
Os sacerdotes dizem aos seus pares:
– Eram mais doces os braços das mulheres do que os dessa cruz, não é verdade? Mas, olha: já estão prontas para receber-te as tuas…
–(e dizem uma palavra infame)–. Aqui tens toda Jerusalém a servir-te de casamenteira…
E assobiam, como uns carreteiros.
Outros lhe lançam pedras, e dizem:
– Transforma estas pedras em pães, Tu, ó multiplicador de pães!
Outros ainda, macaqueando os hosanas do domingo de Ramos, jogam-lhe ramos, e gritam:
– Maldito o que vem em nome do Demônio! Maldito seja o seu reino! Glória a Sião, que o exclui de entre os vivos!
Um fariseu se planta diante da cruz e mostra um punho, fazendo um gesto de desprezo, e dizendo:
– “Eu te entrego ao Deus do Sinai”, Tu não o disseste? Agora o Deus do Sinai te prepara o fogo eterno. Por que é que não chamas
Jonas para prestar-te um bom serviço?
Outro diz:
– Não estragues a cruz com as batidas de tua cabeça. Ela ainda vai servir para os teus seguidores. Uma legião inteira terá que morrer sobre o teu madeiro, eu te juro por Javé. E em primeiro lugar, lá colocarei Lázaro.Veremos se Tu o tiras da morte agora.
– Sim. Isto mesmo! Vamos a Lázaro e o preguemos do outro lado da cruz.
E como uns papagaios, eles imitam lentamente as palavras de Jesus, dizendo:
– “Lázaro, meu amigo, vem para fora! Soltai-o e deixai-o andar.”
– Não, dizia Ele às suas fêmeas, a Marta e a Maria. “Eu sou a Ressurreição e a Vida!” Ah! Ah! Ah! A Ressurreição não sabe mandar embora a morte e a Vida morre!