O pastorzinho, porém, não o está escutando mais. Parece que não tem mais medo, pois deixa a soleira da porta, escapa por detrás das costas do musculoso pastor, onde se refugiou, e sai na paragem cheia de erva, que está na frente do alpendre. Olha para o alto, e vai caminhando como sonâmbulo, ou hipnotizado por algo que o atrai fortemente. Chegando a um certo ponto, ele grita: “Oh!”, e fica como que petrificado, com os braços um pouco abertos.
Os outros olham-se assombrados.
– Mas, que é que tem aquele tolo? –diz um deles.
– Amanhã eu o mando embora, de volta para sua mãe. Não quero doidos para guardar as ovelhas –diz outro.
E o velho, que falou há pouco, diz:
– Vamos ver, antes de julgar. Chamai também os outros que estão dormindo, e pegai os bastões. Que não seja alguma fera ruim, ou malandros…
Eles entram, chamando os outros pastores, e saem com tochas e bastões. Chegam até onde está o menino.
– Lá, lá –ele murmura sorrindo–. Por cima da árvore, olhai aquela luz que está vindo. Parece que ela vem caminhando sobre o raio da lua. Eis que se aproxima. Como é bela!
– Eu só estou vendo um grande clarão.
– Eu também.
– Eu também –dizem os outros.
– Não. Eu estou vendo algo como um corpo –diz um dos pastores, no qual eu reconheço ser aquele que deu a escudela de leite para Maria.
– É um… é um anjo! –grita o menino–. Eis que ele vem descendo e chegando para perto… Ajoelhemo-nos, diante do anjo de Deus!
Um “Oh!” longo e cheio de respeito se levanta do grupo de pastores, que, prostrando-se com o rosto por terra, parecem estar tanto mais esmagados por aquela aparição fulgente, quanto mais velhos são. Os jovens estão de joelhos, mas estão olhando para o anjo, que se aproxima cada vez mais e, finalmente, paira suspenso no ar, agitando suas grandes asas, candura de pérola na alvura do luar que o circunda, acima do muro do recinto.
– Não temais. Não vos trago desventura. Eu vos anuncio uma grande alegria para o povo de Israel e para todo o povo da terra.
A voz do anjo é como uma harmonia de harpa, que acompanha o canto dos rouxinóis.
– Hoje, na cidade de Davi, nasceu o Salvador.
Ao dizer isso, o anjo abre ainda mais as suas grandes asas, e as move, como se tivesse sentido um sobressalto de alegria, e, nesse momento uma chuva de centelhas de ouro e de pedras preciosas parece sair dele. Um verdadeiro arco-íris, um arco de triunfo que se forma sobre as pastagens.
– … o Salvador, que é Cristo.
O anjo cintila, com redobrada luz. Suas duas asas, agora paradas e estendidas, com as pontas viradas para o céu, como duas velas imóveis sobre a safira do mar, parecem duas chamas, que sobem ardendo.
– … Cristo, o Senhor!
O anjo recolhe as suas duas fúlgidas asas, e se veste com elas, como se fossem uma sobreveste de diamante sobre uma veste de pérola; inclina-se, como quem está adorando, com os braços cruzados sobre o coração e o rosto, que aí desaparece, porque está inclinado sobre o peito e sob a sombra das pontas das asas que o anjo agora dobrou. Não se vê mais que uma alongada forma luminosa, imóvel, pelo espaço de tempo de um “Glória.”
Mas ele se move de novo. Reabre as asas, levanta o rosto, no qual a luz se funde com um sorriso paradisíaco, e diz:
– Vós o reconhecereis por estes sinais: em uma pobre estrebaria, do outro lado de Belém, encontrareis um menino envolto em faixas, numa manjedoura de animais, porque, para o Messias, não foi encontrado um teto na cidade de Davi.
Ao dizer isso, o anjo ficou sério, ou melhor, ficou triste.