– Mestre… eu estou todo dolorido… –diz Mateus.
– E eu estou com medo de estar com febre. Durante o verão, o rio é doentio… Tu o sabes –insiste Filipe.
– Pior teria sido, porém, se da margem do rio tivéssemos subido de novo para os montes da Judeia. Isto também se sabe –diz Zelotes, com dó de Jesus, ao qual todos estão dizendo os seus pequenos medos e lamentações, e de quem nenhum deles está compreendendo qual é o seu estado de espírito.
– Deixa que o façam, Simão. Eles têm razão. Mas daqui a pouco, iremos descansar… Eu vos peço que andemos ainda um pouco de caminho… E um pouco de espera aqui. Vede como a lua vai perfazendo o seu percurso, rumo ao ocidente. Por que despertar aquele velho, e talvez José ainda esteja doente, se daqui a pouco já será dia?
– É que aqui o terreno está mole, por causa da orvalhada. Não se sabe onde ficar… –resmunga Iscariotes.
– Estás com medo de estragar as tuas vestes? Mais esta, se, depois destas marchas como uns galeotes, pelo meio da poeira e das orvalhadas, ainda quisermos gloriar-nos disso! E, afinal… Isso seria mais um prazer para o amável Elquias. As tuas gregas… ali! ah! as da orla e das mangas ficaram reduzidas a frangalhos, por cima dos arbustos espinhosos do deserto de Judá, e a do pescoço, o suor a destruiu. Agora és um perfeito judeu… –diz, sempre alegre, Tomé.
– Um perfeito porcalhão, do qual eu tenho nojo –replica, irado, Iscariotes.
– Basta-te ter limpo o coração, Judas –diz calmamente Jesus. Isto é que tem valor…
– Valor! Valor! Estamos extenuados de cansaço e de fome… Perdemos a saúde, e só ela é que tem valor –diz, de um modo grosseiro, Judas.
– Eu não te obrigo a ficar. Tu é que queres ficar.
– Enfim. Me convém fazê-lo. Estou…
– Dize logo a palavra que te está queimando: “Tu estás comprometido aos olhos do Sinédrio.” Mas estás em tempo de voltar atrás… e reconquistar a confiança deles…
– Eu não quero voltar atrás… porque eu te amo, e quero estar contigo.
– Na verdade, tu dizes isso de um modo que mais parece ódio do que amor… –mastiga entre os dentes Judas de Alfeu.
– Pois bem. Cada um tem o seu modo de expressar o amor.
– Ora, vede! Há até quem ama a mulher, mas a mói de pancadas… Não me agradaria essa espécie de amor –diz Tiago de Zebedeu, tentando desfazer o incidente com uma brincadeira.
Mas ninguém acha graça. E, graças a Deus, também ninguém retruca.
Jesus aconselha:
– Vamos sentar-nos na soleira da casa. O beiral é largo e nos protege do orvalho e há aquela saliência nos alicerces da cozinha…
Eles obedecem sem dizer nada, e, tendo chegado à cozinha, assentam-se junto aos pés das paredes.
Mas esta simples observação do Tomé: “Estou com fome. Estas caminhadas noturnas me fazem ficar com fome”, torna a despertar a discussão.
– Mas, que caminhadas! É que há dias estamos vivendo de nada
–responde-lhe, como sempre, Iscariotes.
– Na verdade, na casa de Nique e na de Zaqueu nós comemos bem, Nique nos deu tanto, que foi preciso dá-lo aos pobres, porque senão se teria perdido. O pão nunca nos faltou. Pão e algumas coisas para comer com ele até aquele caravaneiro nos deu –observa André.
Judas, que não pode desmentir aquelas palavras, fica calado.