Depois de algum tempo, o pai de família mandou os seus servos para todos os lados por onde sabia que estavam os seus filhos, e disse aos servos: “Direis aos meus filhos que venham reunir-se em minha casa. Eu quero que me prestem contas do que é que fizeram durante esse tempo e me digam aqui em casa em que condições estão.”
E os servos lá se foram por todos os lados e chegaram até os filhos do seu patrão, terminaram a embaixada, e cada um deles voltou em companhia do filho do patrão que ele havia encontrado.
O pai de família os recebeu com muita festa. Como pai, mas também como juiz. E todos os parentes da família estavam presentes e, com os parentes, os amigos, os conhecidos, os servos, os companheiros do lugar e os dos lugares limítrofes. Foi uma reunião solene. O pai estava sentado em sua cadeira de chefe da família, e, ao seu redor, em semicírculo, todos os parentes, amigos, conhecidos, servos, companheiros do lugar e dos lugares vizinhos. Na frente dele, em fila, estavam os filhos.
Mesmo sem terem sido ainda interrogados, o aspecto deles já dava a resposta de qual era a verdade. Os que haviam trabalhado bem e haviam sido honestos, morigerados, e que tinham formado uma santa fortuna, apresentavam uma aparência festiva, pacífica e de um bem-estar de quem dispõe de abundantes meios e goza de boa saúde e serenidade de consciência. Estes olhavam para o pai com um sorriso bom de um reconhecimento humilde, mas, ao mesmo tempo triunfante, contentes pela alegria de terem honrado seu pai e a família, e por terem sido bons filhos, bons cidadãos, e bons em sua fidelidade. Os que haviam gastado na indolência ou nos vícios os seus haveres, estavam humilhados, tristes, mirrados na aparência e pobres nas vestes, com os sinais do vício ou da fome claramente impressos em todos eles. Os que tinham feito fortuna por meio de manobras delituosas, mostravam em seus rostos a agressividade, a dureza, um olhar cruel e perturbado, como o das feras, que temem o domador, e estão preparadas para reagir.
O pai começou o interrogatório por esses últimos:
“Como é que vós estáveis tão calmos, quando partistes, e agora estais parecendo umas feras dispostas a dilacerar? Qual a origem dessa vossa aparência?”
“Foi a vida que no-la deu. E a dureza de mandar-nos para fora de casa. Foste tu que nos puseste em contato com o mundo.”
“Está bem. E que foi que fizestes no mundo?”
“O que nós pudemos fazer, para obedecer à tua ordem de ganharmos a vida com aquele nada que nos deste.”
“Está bem. Ide colocar-vos naquele canto… E agora pergunto a vós, que estais magros, doentes e mal vestidos. Que foi que fizestes para ficardes assim? Pois estáveis bem sadios e bem vestidos quando partistes.”
“Com dez anos, as roupas estão puindo…”, objetaram os fazedores de nada.
“Não existem mais teares no mundo, que façam tecidos para as roupas dos homens?”
“Sim… Mas é necessário o dinheiro para comprá-los…”
“E vós tínheis o dinheiro.”
“Mas em dez anos… já era tempo de ele ter acabado. Pois tudo o que tem um princípio tem um fim.”
“Sim. Se só se tira, e nada se põe. Mas, por que ficastes só tirando? Se tivésseis trabalhado, poderíeis pôr e tirar, sem que o dinheiro acabasse, mas, ao contrário, até aumentaste. Por acaso estivestes doentes?”
“Não, pai.”
“E, então?”
“Nós nos sentimos desorientados… Não sabíamos o que fazer, o que fosse bom fazer… Tínhamos medo de fazer coisas mal feitas. E, para não as fazermos mal, não fizemos nada.”
“E não estava aqui o vosso pai, a quem podíeis pedir um conselho? Sou por acaso um mau pai, intransigente e receoso?”
“Não! Não! Nós estávamos com vergonha de te dizer, de tomar iniciativas. Tu foste sempre um homem de tanta atividade… Nós nos escondemos por vergonha.”
“Está bem. Ide lá para o meio da sala. Agora, vós. E que me dizeis vós? Vós, que a esta aparência de famintos, unis a da doença? Por acaso ficastes doentes por trabalhardes demais? Sede sinceros, e eu não vos agredirei.”
Alguns dos interpelados se jogaram de joelhos, batendo no peito, e dizendo:
“Perdoa-nos, ó pai. Deus já nos castigou, e nós o merecemos. Mas tu, que és nosso pai, perdoa-nos!… Nós começamos bem, mas não perseveramos. Julgando-nos já ricos com facilidade, nós dissemos: ‘Pois bem. Agora, vamos gozar um pouco, como nos sugeriram os amigos, e depois voltaremos ao trabalho, e refaremos o que tiver sido gasto.’ E, em verdade, assim nós queríamos fazer. Voltar às duas moedas, e depois fazê-las produzir frutos, como se fosse uma brincadeira. E, por duas vezes (dizem dois), por três (diz um), nós conseguimos; mas depois a fortuna nos abandonou… e acabamos com o dinheiro.”
“Mas, por que foi que não parastes, depois da primeira vez?”
“Porque o pão do vício estraga o paladar, e não se pode mais fazer nada sem ele…”
“Mas aqui estava o vosso pai…”
“É verdade. E por ti suspirávamos, com saudade e nostalgia. Mas nós te havíamos ofendido. E suplicávamos ao Céu que nos inspirasse, para te chamarmos, a fim de recebermos a tua censura e o teu perdão. Isto era o que pedíamos, e pedimos agora, mais do que as riquezas, que não desejamos mais, visto que elas nos transviaram.”
“Está bem. Ide, vós também, colocar-vos juntos com os de antes, no centro da sala… E vós, que estais doentes e pobres, como estes, mas que estais calados e não pareceis estar sofrendo, que é que tendes a dizer?”
“Aquilo que os primeiros disseram. Que te odiamos, porque, com teu modo imprudente de agir, nos arruinaste. Tu, que nos conhecias, não devias ter-nos exposto às tentações. Tu nos odiaste, e nós te odiamos. Tu fizeste uma armadilha, para te veres livre de nós. Que sejas maldito.”
“Está bem. Ide ficar com os primeiros, naquele canto. E agora, vós, que estais cheios de vida, serenos, ricos filhos meus. Falai. Dizei-me: como foi que conseguistes chegar a este ponto?”
“Pondo em prática os teus ensinamentos, os teus exemplos, os teus conselhos, as tuas ordens, tudo. Resistindo aos tentadores, por amor de ti, ó pai bendito, que nos deste a vida e a sabedoria.”
“Está bem. Vinde para a minha direita, e ouvi todos o meu julgamento e a minha defesa. Eu dei a todos a mesma medida de dinheiro, de exemplo e de sabedoria. Mas os meus filhos corresponderam aos meus gestos de maneiras diferentes. De um pai trabalhador, honesto, morigerado, saíram, uns semelhantes a ele; outros, ociosos; outros fracos e fáceis para caírem em tentação; outros, cruéis, que odiaram ao pai, os irmãos e o próximo, sobre os quais ainda que não o digam, eu o sei praticaram a usura e o delito. Entre os fracos e os ociosos, há uns arrependidos, e outros impenitentes. Agora, eu vou julgar. Os perfeitos, já estão à minha direita, estando, pois, na mesma glória que eu, como o estiveram nas obras. Os arrependidos estarão de novo, como uns meninos ainda a serem instruídos, tendo que obedecer, até alcançarem o grau de capacidade, que os torne de novo adultos. Os impenitentes e os culpados serão jogados para fora dos meus domínios e perseguidos pela maldição de quem não é mais pai deles, porque o ódio deles contra mim anula as relações de paternidade - filiação entre nós. Mas eu faço lembrar a todos que cada um fez para si mesmo a sua sorte, pois eu dei a todos as mesmas coisas que, naqueles que as receberam, produziram quatro diferentes sortes, e eu não posso ser acusado de ter desejado o mal deles.”