Mas, continua.
– Comigo ela está ainda respeitosa e obediente. Até aos criados ela não maltratou mais. Contudo, depois da primeira tarde, ela não perguntou mais nada sobre Ti. Ao contrário, se eu falava de Ti, ela mudava de assunto. A não ser nos dias em que ficava horas e horas sobre o penhasco, onde está o mirante, olhando para o lago, e me perguntava, ao ver cada barca que passava: “Aquela será a dos pescadores galileus?” Ela não fala nunca em teu Nome, nem dos apóstolos. Mas eu sei que ela está pensando neles, e em Ti na barca de Pedro. E também compreendo que ela está pensando em Ti, porque algumas vezes à tarde, enquanto passeamos pelo jardim ou esperamos a hora do descanso, eu costurando, e ela sem fazer nada, ela me diz: “Então, é preciso viver de acordo com a doutrina que segues?” E às vezes chora, outras vezes ri, com umas risadas sarcásticas de louca, ou de demônio.
Outras vezes solta os cabelos, sempre caprichosamente arrumados, faz com eles duas tranças pelas costas abaixo, ou para a frente, com a roupa toda fechada, toda pudica, transformada pela roupa em uma jovenzinha, como também pelas tranças, pelas expressões do rosto, e aí ela diz: “É assim, então, que deve ficar Maria?”, e, mesmo assim, por vezes ela chora, beijando as suas próprias e esplêndidas tranças, da grossura de braços, compridas até os joelhos, todo aquele ouro vivo, que era a glória de minha mãe e, de vez em quando, solta aquela horrível risada, ou então me diz: “Mas é melhor, olha: que eu faça assim, e me mate”, e dá um nó com as tranças na garganta, e aperta até ficar roxa, como se quisesse estrangular-se. Outras vezes, compreende-se que é quando mais forte ela sente a sua… a sua carne, ela se compadece de si mesma, ou então se maltrata. Eu a encontrei, quando ela estava batendo ferozmente em seu próprio seio, no peito, e arranhava o próprio rosto, batia a cabeça contra a parede e, se eu lhe perguntava: “Mas por que fazes isso?”, ela se virava para mim, feroz, e me dizia: “Para despedaçar-me a mim, as minhas vísceras e minha cabeça. As coisas nocivas, malditas, devem ser destruídas. E eu me destruo”.
E, se eu lhe falo da misericórdia divina, de Ti — porque eu lhe falo igualmente de Ti, como se ela fosse a mais fiel de tuas discípulas, e eu Te juro que algumas vezes eu sinto um arrepio em falar disso diante dela —, pois ela me responde: “Para mim não pode haver misericórdia. Eu passei da medida.” E aí uma fúria de desespero toma conta dela, e ela grita, ferindo-se até derramar sangue: “Mas, por quê? Por que a mim é que este monstro dilacera? Ele não me dá paz. Ele me leva ao mal com vozes de canções, depois me une às vozes de maldições ao pai, à mãe, a vós, porque tu e Lázaro me maldizeis, e Israel me maldiz, me traz isto, para fazer-me enlouquecer…”
E então, quando ela diz isso, eu lhe respondo: “Por que é que pensas em Israel, que não passa de um povo, e não pensas em Deus? Mas visto que não pensaste antes em pisar em cima de tudo, pensa agora em superar tudo, e a não te preocupares senão com aquilo que não é o mundo, isto é, com Deus, com o pai, com a mãe. Eles não te maldizem, se mudas de vida, mas te abrem os braços…” E ela me fica escutando, pensativa, espantada, como se eu lhe estivesse contando uma história impossível, e depois se põe a chorar… Mas não responde nada. Por vezes, ao contrário, manda aos seus criados servirem vinho e especiarias aromáticas, e bebe e come esses alimentos artificiosos, e explica: “É para não ficar pensando.”
Agora, desde que ficou sabendo que Tu estás no lago, ela me diz, todas as vezes que fica sabendo que vou vir a Ti: “Qualquer hora, eu também vou”, e se ri com aquele riso, que é um insulto a si mesma, e termina: “Pelo menos, assim os olhos de Deus se baixarão também sobre o estrume.” Mas eu não quero que ela venha. E agora eu espero poder vir, quando ela, cansada da ira, de vinhos, de chorar e de tudo, estiver dormindo, esgotada. Hoje mesmo, eu tive que escapar assim, para poder voltar à noite, antes que ela desperte. Esta é a minha vida… e eu não espero mais…
E o pranto, não mais refreado pelo pensamento de dizer tudo em ordem, recomeça mais forte do que antes.