Quando chegam a um lugar solitário, Jesus diz, sorrindo:
– Que queres me dizer?
– Oh! Mestre… esta noite, mal havia terminado a segunda vigília, Maria voltou para casa. Ah! Mas eu ia me esquecendo de dizer que ela me havia dito, enquanto estávamos comendo, à hora sexta: “Não gostarias de emprestar-me uma das tuas vestes e uma capa? Ficarão para mim um pouco curtas. Mas eu deixarei a veste solta, e farei que o manto desça até embaixo…” Eu lhe disse: “Apanha o que quiseres, minha irmã”, e o coração me batia forte, porque antes, no jardim, eu havia dito, ao falar com Marcela: “A tarde, precisamos estar em Cafarnaum, porque hoje o Mestre vai falar à multidão”, e eu tinha visto Maria soluçando, mudando de cor, sem saber mais ficar quieta, mas indo e voltando sozinha, como alguém que está sofrendo, aflita, na hora de decidir-se… mas sem saber ainda o que vai aceitar ou o que vai rejeitar.
Depois da refeição, ela foi ao meu quarto e tomou a veste mais escura que eu tinha, a mais modesta, experimentou-a, e pediu à nutriz que abaixasse toda a orla, porque ela estava muito curta. Ela a havia experimentado, mas havia confessado, chorando: “Não sou mais capaz de costurar. Eu me esqueci de tudo o que é útil e bom…” E me jogou os braços ao pescoço, dizendo: “Reza por mim.” Ela só saiu ao pôr do sol… Quanto eu rezei, para que ela não se encontrasse com ninguém, que a impedisse de vir aqui, para que a tua palavra fosse compreendida por ela, e para que ela conseguisse estrangular definitivamente o monstro que a está escravizando… Olha: eu pus na minha cintura a tua cinta, bem apertada por baixo das outras e, quando eu sentia o aperto do couro duro em minha cintura, que não estava acostumada com cintas duras como aquela, eu dizia: “Ele é mais forte do que tudo.”
Depois, com o carro se vai depressa, e assim viemos eu e Marcela. Não sei se nos viste no meio da multidão… Mas, que dor, que espinho no coração por não estar vendo Maria. Eu pensei: “Ela se arrependeu. Deve ter voltado para casa. Ou então… ou então ela fugiu, não podendo resistir mais ao meu domínio sobre ela, como ela mesma me havia pedido.” Eu estava Te ouvindo, e chorando por baixo do meu véu. Aquelas palavras pareciam próprias para ela… e ela não as estava ouvindo! Assim pensava eu, que não a estava vendo. Voltei para casa desconsolada. É verdade. Eu te desobedeci, porque me havias dito: “Se ela vier, espera-a em tua casa.” Mas, considera o meu coração, Mestre! Era a minha irmã que vinha a Ti. Podia eu deixar de vê-la, se eu estava perto de Ti? E depois!… Tu me havias dito; “Será despedaçada.” Eu queria estar perto dela logo, para ampará-la…
Eu estava ajoelhada, em lágrimas e oração, no meu quarto, e já havia passado muito da segunda vigília, quando ela entrou. Entrou de modo tão silencioso, que dela não ouvi nada mais, a não ser quando ela se lançou sobre mim, sobre minhas costas, dando-me um apertado abraço, e dizendo: “É verdade tudo o que tu dizes, minha bendita irmã. E até muito mais do que tudo o que dizes. Sua misericórdia é muito maior. Oh! Marta minha! Não tens mais necessidade de conter-me. Já não me verás mais cínica e desesperada! Não me ouvirás mais dizer: ‘É para não ficar pensando!’ Agora, eu quero pensar. Eu sei em que pensar. Na Bondade que se fez carne. Tu rezavas, minha irmã, certamente rezavas por mim. Mas tu já estás com tua vitória na mão. A tua Maria não quer mais pecar, mas renasce agora. Ela está aqui. Olha-a bem no rosto. Porque agora é uma Maria nova, com um rosto lavado pelo pranto, pela esperança e pelo arrependimento. Podes agora beijar-me, minha pura irmã. Não há mais em meu rosto sinais de vergonhosos amores. Ele disse que ama a minha alma. Porque a ela é que Ele falava, e dela. A ovelhinha tresmalhada era eu. Ele disse, escuta se eu digo bem. Tu o conheces, e sabes como é aquele modo de falar do Salvador…”, e me repetiu, de um modo perfeito, a tua parábola!
É tão inteligente Maria! Muito mais do que eu. E tem boa memória. Foi assim que eu te ouvi duas vezes. E, se sobre os teus lábios aquelas palavras eram santas e adoráveis, sobre os lábios dela eram para mim santas, adoráveis e amáveis, porque vinham dos lábios de uma irmã, da minha irmã, que foi reencontrada, que voltou ao redil familiar, como me dizia. Estávamos abraçadas uma com a outra, sentadas sobre uma esteira no chão, como quando éramos meninas e estávamos assim no quarto da mamãe, ou junto ao tear em que ela tecia e onde bordava os seus esplêndidos tecidos. Estávamos assim, não separadas pelo pecado, e me parecia que mamãe também estava lá presente com o seu espírito. Chorávamos sem sentir dor, mas, ao contrário, com muita paz! Beijávamo-nos felizes… E depois Maria, cansada pela viagem feita a pé, com emoção por tantas coisas juntas, acabou adormecendo entre os meus braços e com a ajuda da nutriz, a pus para dormir em minha cama… e lá a deixei, e corri para cá…, e Marta, feliz, beija as mãos de Jesus.