As árvores foram depois à videira, para pedir-lhe que ela fosse o rei delas. Mas a videira respondeu: “Como posso eu renunciar a ser a alegria e a força, para ir reinar sobre vós?”
Ser rei, tanto pelas responsabilidades, como pelos remorsos, pois mais raro do que o diamante preto é o rei que não peca, e por isso vive carregado de remorsos. É uma coisa que sempre traz consigo tristezas espirituais. O poder seduz, até o dia em que, como um farol longínquo, ele estiver brilhando. Mas, quando se chega perto, vê-se que não é nenhuma estrela, mas a luz de um vaga-lume.
E ainda: o poder não é mais do que uma força, amarrada pelas mil cordas de mil interesses, que se agitam ao redor de um rei. Interesses dos cortesãos, interesses dos aliados, interesses pessoais e dos parentes. Quantos reis juram a si mesmos, enquanto o óleo os está consagrando: “Eu vou ser imparcial”, e depois não o sabem ser? Como uma árvore poderosa, que não se revolta com o primeiro abraço da hera macia ou delicada, e diz: “Ela é muito fraquinha, e não me pode fazer mal”, e fica até contente em ser por ela engrinaldada e por agir como protetora, ajudando-a em sua subida, assim muitas vezes eu poderia dizer: sempre o rei cede ao primeiro abraço de um interesse palaciano, de um aliado, de uma pessoa ou de um parente que a ele se dirige, e fica contente em poder ser um generoso protetor dele. “É tão pouca coisa!”, diz ele, mesmo quando a consciência lhe brada: “Cuidado!” E pensa que aquilo não lhe possa fazer mal, nem ao seu governo, nem ao seu bom nome. A árvore também pensava assim. Mas chega o dia em que, tendo lançado um broto atrás do outro e que vão crescendo em força e em comprimento e crescendo na voracidade de sugar as linfas do solo e subir para a conquista da luz e do sol, a hera acaba abraçando aquela que era uma árvore poderosa, e a domina, sufoca e mata. A hera que antes era tão fraquinha! Enquanto que a árvore era tão forte!
Também com os reis é assim. Um primeiro compromisso com a própria missão, um primeiro encolher de ombros à voz da consciência, porque os louvores são doces, porque o ar de protetor procurado lhe agrada, e chega o momento em que o rei não reina, mas reinam os interesses dos outros, que o aprisionam e amordaçam, chegando a sufocá-lo e até o suprimirem, quando veem que ele não tem pressa de morrer.
Até o homem comum, que sempre é um rei em seu espírito, se perde, se aceita outras realezas menores, por soberba, por avidez. E perde a sua serenidade espiritual, que lhe vem de sua união com Deus. Porque o Demônio, o mundo e a carne podem dar um ilusório poder e prazer, mas à custa da alegria espiritual, que vem da união com Deus.
Alegria e força dos pobres em espírito, bem merecidas, de modo que o homem sente a necessidade de dizer: “E como poderei eu querer tornar-me um rei em minha parte inferior se, ao fazer aliança convosco, eu perco a força e a alegria interior e o Céu e sua verdadeira realeza?” E podem, também dizer, esses infelizes pobres em espírito que eles só têm em mira possuir o Reino dos Céus e que desprezam qualquer outra riqueza que não seja aquele Reino? E podem até dizer: “E, como posso voltar à missão, que é a de amadurecer os sucos fortificantes e que alegram esta humanidade, nossa irmã, que vive no árido deserto da animalidade e que se sente necessitada de ser dessedentada, para não morrer, para ser nutrida com sucos vitais, como um menino que precisa da nutriz? Nós somos as nutrizes da humanidade que perdeu o seio de Deus, que vagueia, estéril e doente, e que chegaria a uma morte desesperada, até aos negros ceticismos, se não nos encontrasse a nós que, com a alegre operosidade dos que estão livres de todo laço terreno, para os tornarmos persuadidos de que há uma Vida, uma Alegria, uma Liberdade, uma Paz. Não podemos renunciar a esta Caridade por causa de qualquer interesse mesquinho.”