Assim falando, eles já vão chegando à casa, e nela entram.
Manaém continua o seu assunto, depois que o dono da casa e sua mulher cumprimentaram o Mestre.
– A efervescência e o desejo de conhecer-te penetrou já em todos os lugares, sacudindo e chamando a atenção até dos mais obtusos e distraídos por coisas bem diferentes do que Tu és. As notícias das coisas que Tu fazes já chegaram até dentro das muralhas de Maqueronte e aos refúgios luxuriosos de Herodes, estejam eles no palácio de Tiberíades, ou nos castelos de Herodíades, ou no esplêndido palácio dos Asmoneus, perto de Sisto. Elas superam, como bombas de luz e de poder, as barreiras das trevas e da baixeza, abatem os montes de seus pecados e usam sua terra para servir de trincheira ou de anteparo para os sujos amores da Corte e para os mais truculentos delitos, e ferem com flechas que são como dardos de fogo, escrevendo palavras bem mais graves do que aquelas do banquete de Baltasar, por sobre as licenciosas paredes das alcovas e das salas do trono e dos festins. Elas gritam o teu Nome e o teu poder, a tua Natureza e a tua Missão. E, ao som destas palavras, Herodes treme de medo, enquanto Herodíades não tem sossego em seus leitos, por temer que Tu sejas o Rei vingador, que tirará suas riquezas e sua imunidade, se não lhe tirar também a vida, atirando-a nas mãos das turbas, que nela se vingarão dos seus muitos delitos. Na Corte estão tremendo. Por causa de Ti. Tremem com um medo humano e com um medo sobre-humano. Desde que a cabeça de João rolou decepada, parece que um fogo está aceso nas vísceras dos seus matadores. Eles não têm mais nem mesmo aquela paz miserável de antes, a paz de uns porcos saciados de crápulas, que procuram fazer calar as repreensões de suas consciências por meio da embriaguez e da cópula. Não há mais nada que lhes possa dar a paz… Estão sempre perseguidos. E se odeiam uns aos outros depois de cada hora de amor, saciados um da outra, culpando-se um ao outro de ter cometido um delito que os perturba e que passou da medida. Enquanto isso, Salomé, como se estivesse tomada por um demônio, é sacudida por um erotismo, que envergonharia até uma escrava dos moinhos. O palácio está fedendo mais do que uma cloaca.
Herodes me tem feito perguntas muitas vezes a teu respeito. E, a cada vez, eu tenho respondido: “Para mim, Ele é o Messias, o Rei de Israel que vem da única estirpe real, que é a de Davi. É o Filho do homem, como o chamaram os Profetas, e o verbo de Deus, Aquele que, por ser o Cristo, o Ungido de Deus, tem o direito de reinar sobre todos os viventes.” E Herodes, então, empalidece de medo, percebendo em Ti o Vingador. E ele afasta o medo, o grito da consciência dilacerada pelo remorso, dizendo — pois os cortesãos, para confortá-lo, dizem-lhe que Tu és João, que erradamente muitos crêem que está morto, ou então Elias, ou qualquer outro profeta dos tempos passados — dizendo: “Não. Não pode ser João! Eu o fiz decapitar e a cabeça dele está bem guardada por Herodíades. Também Ele não pode ser um dos Profetas. Ninguém revive, uma vez que morreu. Mas também não pode ser o Cristo. Quem é que diz isso? Quem o diz? Quem terá a coragem de vir dizer-me que Ele é o rei da única estirpe real? Eu sou o rei! E não outros. O Messias foi morto por Herodes, o Grande, em um mar de sangue Ele foi afogado logo que nasceu. Foi degolado como um cordeirinho… e tinha poucos meses… Não ouves como ele está chorando? Seu balido está sempre se fazendo ouvir dentro de minha cabeça, junto com aquele rugido de João: ‘Não te é lícito’… Não me é lícito? Ora! Tudo me é lícito, porque eu sou ‘o rei’. Aqui há vinho e mulheres e, se Herodíades não quiser os meus abraços, que Salomé dance para despertar os meus sentidos, espavoridos pelas tuas histórias amedrontadoras.”
E ele se embriaga por entre as dançarinas da Corte, enquanto, em seus aposentos, aquela fêmea louca uiva as suas blasfêmias contra o Mártir e suas ameaças contra Ti e os seus. Salomé fica sabendo o que é ter nascido do pecado de dois libidinosos e ter participado de um delito, conseguindo-o por meio do abandono do seu corpo aos desejos lúbricos de um sujo. Mas depois Herodes volta a si e quer informações sobre Ti, e gostaria de ver-te. E por isso ele favorece as minhas vindas a Ti, na esperança de que eu te leve a ele, coisa que eu nunca farei, para não ter que levar a tua santidade para dentro de um antro de feras imundas. Também Herodíades gostaria de ter-te perto dela para ferir-te. Ela grita sempre, dizendo isso, com o seu estilete na mão… Gostaria também de ter-te a Salomé, que Te viu, sem o saberes, em Tiberíades, no último Etanim, e que está louca por Ti… Isto é o Palácio real, Mestre! Mas eu fico lá ainda, porque estou vigiando as intenções deles a teu respeito.
– Eu te sou grato por isso e o Altíssimo te abençoa. Também isso é servir ao Eterno em seus decretos.
– Pensei nisso. E por isso vim.
– Manaém, Eu te peço uma coisa, já que vieste. Desce para Jerusalém não comigo, mas com as mulheres. Eu vou com estes por um caminho desconhecido e não me poderão fazer mal. Mas elas são mulheres, e indefesas, e quem as acompanha é de uma índole mansa e ensinado a oferecer a face a quem lhe bateu. A tua presença será uma proteção segura. É um sacrifício, Eu compreendo. Mas ficaremos juntos na Judéia. Não me negue isto, meu amigo.
– Senhor, todo desejo teu é uma lei para o teu servo. Eu estou a serviço de tua Mãe e das condiscípulas, desde este momento até quando Tu quiseres.
– Obrigado. Também esta tua obediência estará escrita no Céu.