O humor dos apóstolos está mais turvo do que este dia. É tudo o que se po-de dizer. Cada um quer dizer uma palavra. E cada assunto encerra, sob a aparência de um conselho, uma reprovação. É hora de se ouvirem coisas assim: “Bem que eu tinha dito”, “Se tivesse feito como eu disse”, etc. etc. com vo-zes muito irritadas para com quem cometeu um erro, e ainda se sente acusa-do por havê-lo cometido.
Um diz:
– Seria melhor atravessar o rio, à altura de Péla e ir para o outro lado, que é menos difícil.
Ou então:
– Teria sido bom termos tomado aquele carro! Nós quisemos bancar os valentes, mas depois…
E ainda:
– Se tivéssemos continuado pelos montes não estaríamos nesta lama!
João diz:
– Sois profetas do que já aconteceu. Quem poderia prever esta chuva contínua?
– É o tempo dela. Podia-se prever –sentencia Bartolomeu.
– Nos outros anos não era assim antes da Páscoa. Eu vim para o meio de vós, quando o Cedron não estava cheio e, no ano passado, tivemos até uma seca. Vós, que vos estais queixando, não estais lembrados da sede que passamos na planície filistéia? –diz o Zelotes.
– Aí está! É natural. Os dois sábios falam e nos fazem ouvir sua voz! –diz, irônico, Judas de Keriot.
– Tu, por favor, cala-te! Só sabes criticar. Mas, quando chega o momento oportuno, como quando é preciso falar com algum fariseu ou algum semelhante a ele, tu ficas calado como se tivesses a língua presa –diz-lhe, inquieto, Tadeu.
– Sim. Ele tem razão. Por que não rebateste, nem com uma palavra, àquelas três serpentes? Tu sabias que nós estivemos também em Gíscala e em Meieron, respeitosos e atenciosos, e que para lá Ele quis ir, precisamente Ele que gosta de prestar honra aos rabis falecidos. Mas, tu nada falaste. Tu sabes como Ele exige de nós o respeito à Lei e aos sacerdotes. Mas tu não falaste! Então, que fales agora. Agora, pois tu só sabes dizer ironias contra os melhores de nós e fazer críticas contra o que o Mestre faz –acomete-o André, de costume tão paciente, mas hoje está verdadeiramente tenso.
– Cala-te. Judas está errado, mas ele é amigo de muitos, de muitos samaritanos… –diz Pedro.
– Eu? Quem são eles? Dá-me o nome deles, se és capaz.
– Sim, meu caro. Todos os fariseus, saduceus, todos os poderosos aos quais te gabas de ter amizade e que eles te conheçam é coisa que se pode ver! A mim, não me saúdam nunca! Mas a ti, sim.
– Estás com ciúme disso. Mas eu sou um dos do Templo e tu não.
– Pela graça de Deus eu sou um pescador. Sim. E me glorio de o ser.
– Um pescador tão tolo, que não soube nem mesmo prever um tempo destes.
– Não. Eu o disse: “Lua de Nisã, que veio com chuva, é água que vai descer em grande quantidade” –sentencia Pedro.
– Ah! É isso o que de ti eu queria! E tu, que dizes a isso, Judas de Alfeu? E tu, André? Até Pedro, que é o Chefe, critica o Mestre!
– Eu não critico ninguém. Eu disse um provérbio.
– O qual, para quem o entende, é uma crítica e uma censura.
– Sim. Mas toda essa conversa de nada serve para enxugar a terra, me parece. Nós aqui já estamos e aqui devemos estar. Conservemos o fôlego para podermos arrancar os pés deste pântano –diz Tomé.