Os Escritos de Maria Valtorta

Deve ter continuado a chover pelo resto de todo aquele dia, e durante a noite, porque a terra está ensopada, e porque pelas estradas já se nota o barro. Mas, em compensação, a atmosfera está clara e não se vê poeira nenhuma. O céu está sorridente lá em cima, tendo recuperado seu estado de pureza, e tendo-se tornado, por meio do temporal que o limpou, um céu de primavera. E ri-se também a terra, também ela coberta de orvalho, fresca, limpa, também ela com um ar de primavera, no frescor desta manhã serena, depois da tempestade. E as últimas gotas, ainda detidas sobre o emaranhamento da folhagem, ou penduradas nas gavinhas, brilham como uns diamantes aos raios do sol que as atingem, enquanto as frutas, lavadas por aquela aguada, estão mostrando as cores das cascas, que cada dia mostravam antes as tintas de pastel, e que agora estão apresentando as tintas perfeitas de um amadurecimento completo. Somente as uvas e as azeitonas, ainda verdes, duras, continuam a ser mal vistas no meio da folhagem, mas cada azeitoninha traz a sua gotinha dependurada, e os cachinhos agarrados à videira formam uma verdadeira rede de gotinhas suspensas nos pecíolos dos pequeninos bagos.

– Como vamos caminhando bem hoje! –diz Pedro, pisando com prazer sobre o terreno, que já não tem poeira, nem queima os pés, e não está com aquele barro pastoso!

– Parece estar respirando pureza. Mas, olha só de que cor está o céu –responde Judas Tadeu.

– E aquelas maçãs? As colocadas em grupo, ao redor daquele ramo, que eu nem sei como pode aguentar tão grande carga, e que sobressai, como se fosse um tufo de folhas, saindo do amontoado das maçãs? Quantas cores! As mais escondidas, apenas com uma cor entre o verde e o amarelo, outras mais rosadas e as duas mais expostas à luz, bem vermelhas do lado pelo qual tomam sol. Parecem estar cobertas da cera que se usa com os sinetes –diz Zelotes.

E lá se vão alegres, contemplando as belezas da criação, e Tadeu, imitado por Tomé e depois pelos outros, entoa um salmo no qual são celebradas as glórias de Deus Criador.

Jesus sorri, ao ouvi-los cantar alegremente, e une sua voz ao coro dos apóstolos. Mas Ele não pôde continuar, porque Iscariotes, enquanto os outros continuam a cantar, aproxima-se dele, e diz:

– Mestre, enquanto eles estão ocupados e distraindo-se com o seu canto, dize-me uma coisa: como foi, e que é que fizeste em Cesareia? Ainda não mo disseste… E agora é o primeiro momento em que podemos falar só nós dois. Antes, foram os companheiros, os discípulos e os camponeses que nos deram acolhida, depois os companheiros e as discípulas, e agora os discípulos nos deixaram ser precedidos pelos companheiros. E eu nunca pude fazer-te perguntas…

– Tens muito interesse nisso… Mas em Cesareia não fiz mais do que Eu vou fazer nas propriedades de Jocanã. Falei da Lei e do Reino dos Céus.

– A quem?

– Aos da cidade. Perto das feiras.

– Ah! Aos romanos, não? Não os viste?

– Como é possível estar em Cesareia, sede do Procônsul, e não ver os romanos?

– Eu sei. Mas quero dizer é isto: A eles propriamente tu não falaste?

– Eu repito: tu estás muito interessado nisto!

– Não, Mestre. Simples curiosidade.

– Pois bem. Eu falei às romanas.

– Cláudia também? Que foi que ela te disse?

– Nada. Porque Cláudia não apareceu lá. Pelo contrário, ela me deu a entender que não deseja que se saiba que ela tem contatos conosco.

Jesus frisa muito esta frase, e observa muito Judas, que ao ser confrontado tem uma mudança de cor, e se torna amarelento, depois de ter ficado ligeiramente corado. Mas ele se recupera logo, dizendo:

– Não quer? Não tem mais consideração para contigo? É uma doida.

– Não. Ela não é uma doida. É até equilibrada. Ela sabe distinguir e separar seu dever de romana e o seu dever para consigo mesma. E, se para si mesma, para o seu espírito, ela procura luz e respiração, indo ao encontro da Luz da Pureza, sendo uma criatura que procura instintivamente a Verdade e não se acomoda com a mentira do paganismo, e à Pátria, ela não quer ser nociva nem com formas teóricas de dano, como se poderia pensar que ela tome partido ao lado de algum possível competidor, quanto a Roma!

– Oh! mas… Tu és Rei, quanto ao espírito!

– Mas entre vós mesmos, que sabeis disso, não sabeis persuadir-vos disso. Podes negar que é assim?

Judas ficou corado, depois pálido. Não pode mentir, e diz:

– Nãao! Mas é o amor demais que…

– Com maior razão, quem não me conhece, isto é, Roma, pode ter medo de ter-me como competidor. Cláudia age com retidão, tanto para com Deus, como para com a sua Pátria, prestando-me honra, se não como a Deus, certamente como a rei e mestre espiritual, e prestando à Pátria a sua fidelidade. Eu admiro os espíritos fiéis. E justos. E não obstinados. E Eu quereria que os meus apóstolos pudessem merecer o louvor que Eu dou àquela pagã.

Judas fica sem saber o que dizer. Está para separar-se do Mestre. Mas depois, a curiosidade o incita de novo. Mais do que curiosidade, o desejo de saber até que ponto o Mestre está sabendo… e pergunta:

– Foram procurar-me?

– Nem a ti, nem a nenhum outro apóstolo.

– Mas, então, de que foi que falastes?

– Sobre a vida casta. E de Virgílio, o poeta deles. Estás vendo que era um assunto que não interessava nem a Pedro, nem a João, nem a outros.

– Mas, que sentido tinha isso? Uns discursos inúteis…

– Não. Serviu-me para fazê-los considerar que o homem casto tem um intelecto luminoso e um coração honesto. Isto interessava muito às pagãs… mas não somente a elas.

– Tens razão. Não te detenho mais, Mestre.

E lá se vai, quase correndo, para encontrar-se com os que haviam parado de cantar e estavam esperando os dois que tinham ficado atrás…

Jesus os alcança, caminhando devagar, e se reúne com eles dizendo:

– Vamos tomar este caminho pelo meio do bosque. Abreviaremos assim a caminhada, e estaremos protegidos do sol, que já vai ficando forte. Poderemos também fazer uma parada por baixo da folhagem e comer em paz juntos.

E assim fazem, indo para o rumo noroeste, certamente para o lado das terras do Jocanã, pois ouço que eles estão falando dos camponeses desse fariseu.

Diz Jesus:

– Aqui colocareis a visão de 16 de junho de 1944: Jesus, o ninho caído e o Fariseu.