Passou algum tempo e o rico senhor quis dar uma nova volta por todas as suas propriedades. Ia vendo que aquelas mais de perto estavam mais bonitas e que, não só estavam enriquecidas com plantas úteis, mas também com plantas ornamentais, com tanques, piscinas, chafarizes colocados por toda parte e perto das casas.
“Vós fizestes destas moradas casas de ricos, observou o dono. “Nem eu tenho tantas belezas supérfluas”, e ainda perguntou: “E os outros, não vieram? Tendes dado a eles em abundância? Os regos menores também estão recebendo água?”
“Sim. Quando eles pediram, receberam. Mas eles são exigentes, nunca estão contentes, não usam a água com cuidado e moderação, vêm pedir a toda hora como se nós fossemos empregados deles, e nós temos que defender-nos para guardar o que é nosso. Eles já não se contentavam com os regos pequenos e com as cisternas pequenas. Mas estão indo até às grandes.”
“Será por isso que vós cercastes certos lugares e pusestes em cada um deles aqueles cães bravos?”
“Foi por isso, Senhor. Eles entravam sem cuidado, pretendiam tirar-nos tudo, e tudo estragavam.”
“Mas vós realmente lhes destes o que devíeis dar? Sabeis que por causa deles é que eu fiz isso, e que a vós eu fiz intermediários entre a lagoa e as terras áridas deles? Eu não compreendo… Eu tinha feito que apanhassem da lagoa o tanto que desse para todos, sem desperdiçar nada.”
“E contudo podes acreditar que nós nunca negamos água.”
O patrão se dirigiu às propriedades mais distantes. As plantas altas, que se haviam adaptado ao solo árido, estavam verdes e copadas. “Eles disseram a verdade”, pensou o patrão, ao ver como elas, lá ao longe, estremeciam levemente ao soprar do vento. Mas, quando ele se aproximou das plantas, e depois foi entrando pelo meio delas, viu a terra ressequida, quase mortas as ervas que, com dificuldade as ovelhas, ofegantes, conseguiam abocanhar, as verduras recobertas de poeira perto das casas. Depois viu os primeiros cultivadores: eles estavam emagrecidos, com os olhos febris e dasanimados. Eles olhavam para ele, abaixavam a cabeça, como se estivessem com medo.
O patrão, admirado com aquele comportamento, os chamou para perto de si. Eles se aproximaram tremendo.
“Por que estais com medo? Não sou eu o vosso patrão bom, que tomou cuidado de vós, com trabalho providenciou para que ficásseis livres da falta de água? Por que estas terras áridas? Por que os rebanhos estão magros assim? E vós, por que pareceis estar com medo de mim? Falai sem temor. Dizei ao vosso patrão o que é que vos faz sofrer.”
Um homem falou por todos:
“Senhor, nós tivemos uma grande desilusão e muito sofrimento. Tu nos tinhas prometido socorro. Nós perdemos até aquele que antes tínhamos, perdemos a esperança em ti.”
“Como? Por quê? Eu não fiz vir a água em abundância para os vizinhos, dando-lhes a ordem de que a abundância chegasse até vós?”
“Foi assim que disseste? Assim mesmo?”
“Foi assim. Com toda a certeza. Eu não podia, por causa das condições do solo, fazer que a água viesse diretamente para aqui. Mas, com boa vontade, vós podíeis ir aos pequenos regos das cisternas, ir até lá com odres e assim apanhar o tanto de água que quisésseis. Não vos bastavam os odres e os asnos? E não estava eu aí para vo-los dar?”
“Eis. Eu o havia dito: ‘não pode ter sido o patrão que deu ordens para que a água nos fosse negada.’ Estávamos para ir embora!”
“Mas nós ficamos com medo. Eles nos diziam que a água era uma recompensa para eles, que nós estávamos sendo castigados.”
E contaram ao bom patrão que os chefes das propriedades beneficiadas lhes haviam dito que o patrão, para punir os servos das terras áridas, os quais não sabiam produzir mais, havia dado ordem de regrar não somente a água das cisternas, mas também a dos poços antigos, de maneira que, se antes podiam apanhar até duzentos batos por dia, para eles e para suas terras, levados com grande dificuldade por causa do caminho e do peso da água, agora nem mesmo cinquenta eles tinham e, para terem água, tanto para os homens como para os animais, deviam ir pelos regos que vinham da divisa com os lugares abençoados, de lá de onde transbordavam as águas que iam para os jardins e os banhos, deviam apanhar qualquer água lodosa. Morriam. Morriam pelas doenças e pela sede. Também as hortaliças morriam e as ovelhas
“Oh! isto é demais, é tempo de acabar com isso! Apanhai os vossos utensílios e os vossos animais e vinde comigo. Ficareis um pouco cansados e exaustos, mas depois estareis em paz. Eu irei andando devagar já estais exaustos, a fim de que vós, em vossa fraqueza, possais acompanhar-me. Eu sou um patrão bom, um pai para vós, e para com os meus filhos eu tomo providências.” E se pôs lentamente a caminho, acompanhado pela triste multidão dos seus servos e dos animais, mas todos já se alegravam pelo amoroso conforto que já lhes dava o bom patrão.