Fica assim durante algum tempo. Assim continuaria a ficar por mais tempo, se um homem, ou melhor, uma sombra não saísse da parte mais cerrada do mato, em direção dele, e o chamasse:
– Mestre?
Jesus se volta — pois quem sai de lá vem vindo por detrás dele — e lhe diz:
– É Judas? Que queres?
– Onde estás, Mestre?
– Aos pés da nogueira. Vem para a frente.
E Jesus se levanta e se põe no caminho, à luz da lua, a fim de que Judas o possa ver.
– Tu vieste, Judas, para fazer um pouco de companhia ao teu Mestre?
Agora já estão perto um do outro e põe com afeto um braço sobre o ombro do discípulo.
– Será que precisais de Mim em Corozaim?
– Não, Mestre. Nada de precisão. Eu senti o desejo de vir para perto de Ti.
– Então, vem. Há lugar para nós dois sobre esta rocha.
Assentam-se bem perto um do outro. Silêncio. Judas não fala. Olha para Jesus. Está lutando consigo mesmo.
Jesus o quer ajudar. Olha para ele, com olhares muito afetuosos, mas penetrantes.
– Que bela noite, Judas, olha como tudo é puro! Eu creio que mais pura do que esta não foi a primeira noite que sorriu sobre a terra e sobre o sono de Adão no Paraíso Terrestre. Procura sentir como agradáveis são os perfumes dessas flores. Procura aspirá-los. Mas não as apanhes. São tão agradáveis e puras! Eu também me abstive disso, porque colhê-las é profaná-las. Sempre é um mal fazer uso da violência, tanto a feita a uma planta, como a um animal. E tanto ao animal, como ao homem. Por que tirar a vida? Tão bela é a vida, quando seu tempo é bem empregado! Aquelas flores a empregam bem, porque exalam seus perfumes, alegram com sua beleza e aromas, dão mel às abelhas e às borboletas, cedem a estas o ouro dos seus pistilos para que o coloquem, como pequenas gotas de topázio sobre a pérola de suas asas, e serve de cama nos ninhos… Se estivesses aqui, há poucos momentos, ouvirias um rouxinol cantar, de um modo muito agradável, a sua alegria de viver e de louvar o Senhor. Queridos passarinhos! Como eles servem de exemplo aos homens! Com pouca coisa eles se contentam, e, assim mesmo, só com coisas lícitas e santas. Um grãozinho, um vermezinho, porque o Criador lhos dá: se eles não obtêm isso, não sentem ira, nem ódio, mas enganam a fome da carne com o ímpeto do coração que os faz cantar os louvores do Senhor e as alegrias da esperança. Eles se sentem felizes por estarem cansados de voar, desde a manhã até à tarde, para fazerem um ninho morno, macio, firme, não para o seu egoísmo, mas por amor à sua prole. Cantam pela alegria de se amarem honestamente. O pássaro macho assim faz por amor à sua fêmea e os dois o fazem por amor aos futuros filhos. Os animais estão sempre felizes, porque eles não têm remorsos nem censuras em seus corações. Nós é que os tornamos infelizes, porque o homem é mau, desrespeitoso, prepotente e cruel. E não lhe basta que ele seja assim com os seus semelhantes. Ele extravasa sua malvadez sobre os inferiores. Quanto mais tem dentro de si os remorsos, tanto mais sua conscência o fustiga, e mais cruel ele se torna para com os outros. Eu estou certo de que, por exemplo, aquele cavaleiro que hoje estava esporeando o seu cavalo até o fazer sangrar, pois já estava tão suado e cansado, ainda batia nele, até fazer que ele ficasse com o pêlo arrepiado, já com vergões no pescoço e nos flancos, até sobre aquele tão delicado focinho e sobre as escuras pálpebras que, de doloridas, se fechavam sobre aqueles olhos tão resignados e indefesos. Aquele homem não podia estar com sua alma tranquila. Ou ele estava indo praticar algum delito contra a honestidade, ou estava voltando dele!
Jesus se cala e fica pensando.