– Senhor, é verdade. Tu estás lendo o meu coração. Mas também Tu estás vendo que, se eu pergunto assim, não o faço por medo, por causa de mim. É porque… Não. Eu não poderia nunca ver-te sendo atormentado… Tu falas frequentemente de delito, de traição. Eu… oh! não sou eu somente. Quantos, especialmente os velhos, já não te pediram para morrer, antes de verem ofendido o seu Rei? E eu… Eu, Tu sabes. Tu és tudo para mim. Nada mais me interessa a não seres Tu. Não é como diz Judas. Saudades de minha barca e de minha mulher… Olha: Tu estás vendo se eu estou dizendo a verdade. Eu insisti tanto para ficar com Marziam. A minha humanidade queria pelo menos um filho adotivo, em lugar dos filhos que a mulher não me deu, humilhando a minha virilidade que queria perpetuar-se… Mas agora, hoje, eu… Eu o amo, sim. Mas, se Tu me tirasses, eu não reagiria… Eu só te diria… Mas, não! Não diria nada!
– Só me dirias? Termina.
– É inútil, Mestre.
– Fala!
– Eu diria: “Entrega-o a quem, mais do que eu, possa fazê-lo crescer como um justo.” Nada mais! Ou, então… e isto eu te digo, chorando por ele, por mim, por meu irmão, e também por João e Tiago… e ainda pelos outros, mas nós… nós somos os teus primeiros.
Pedro cai de joelhos, apoiando-se aos joelhos de Jesus, com as mãos para cima, abertas para cima, suplicantes, com lágrimas sobre o rosto e que vão escorrendo por sob a barba…
– Eu o digo por nós… Oh! Eu pensava, penso sempre, há meses, e Tu estás vendo se é esse pensamento que me está roendo e fazendo-me envelhecer. É um contínuo temor que não me deixa sossegado, nem durante o sono. Eu penso que, se for mesmo como Tu dizes, até eu poderia ser o traidor, podia sê-lo André, João, Tiago, Marziam. Se não se chegar a isso, poderia ser um daqueles de que Tu falavas, há três tardes, a respeito de Ananias, um daqueles que chegam a querer que seja derramado o teu Sangue, sim, ele também, pois é um daqueles que não sabem, por vileza, opor-se a isso, mas consentem no mal, por medo do mal. Eu, se tivesse ainda que somente consentir, e não reagir por medo… Mestre, oh! Mestre meu, eu me mataria para punir-me, ou mataria, se os encontrasse, os teus matadores. Eu… se não queres isso, faze-me morrer antes, logo, aqui mesmo. A vida não é nada, mas faltar ao amor para contigo… Ser um daqueles… ser… ver, e não…
Ele está tão agitado que até lhe faltam as palavras. Inclina-se com o rosto por entre os joelhos de Jesus, chorando em um pranto áspero de homem rústico. Já ancião, pouco acostumado ao pranto e transtornado por tão grandes sentimentos.