As lágrimas, até aí contidas jorram agora, e descem até à boca trêmula, e Maria lança um olhar suplicante à sua mestra.
– Maria fez um voto ao Senhor pela sua glória e pela salvação de Israel. Naquele tempo ela não passava de uma menina, estava aprendendo a soletrar, e já se tinha obrigado por um voto… –diz Ana em sua ajuda.
– O teu pranto, então, é por isso? Não é por resistência à Lei?
– É por isso… e não por outra causa. Eu obedeço a ti, Sacerdote de Deus.
– Isto vem confirmar tudo o que sempre me foi dito de ti. Há quantos anos que fizeste essa promessa de virgindade?
– Desde sempre, penso. Ainda não estava neste Templo, e já me havia entregue ao Senhor.
– Não és tu aquela pequenina que, faz agora doze invernos, vieste pedir-me para entrar?
– Sou eu.
– E como podes dizer que naquele tempo já eras de Deus?
– Se olho para trás, vejo-me consagrada já ao Senhor. Não posso lembrar-me da hora em que nasci, nem de como foi que comecei a amar a minha mãe e a dizer a meu pai: “Meu pai, eu sou tua filha”… Mas eu me lembro, ainda que não saiba quando começou, de ter dado a Deus meu coração. Talvez tenha sido com o primeiro beijo que eu soube dar, com a primeira palavra que eu consegui pronunciar, com o primeiro passo que eu fui capaz de dar… Sim, isso mesmo. Creio que a primeira recordação de amor, vou encontrá-la no primeiro passo firme que eu consegui dar… Minha casa… tinha um jardim cheio de flores… tinha um pomar e muitos campos… e lá havia uma nascente, bem lá no fundo, ao sopé de um monte, e a nascente jorrava de uma rocha escavada, que formava uma gruta… era cheia de ervas de talos longos e finos, que ficavam penduradas como pequenas cascatas verdes, que vinham de diversas direções e parecia que estivesse chovendo, porque as folhinhas leves das pequenas copas semelhantes a um bordado, tinham uma gotinha de água em cada uma que, ao pingar, fazia o som de uma campainha, bem pequenina. E a nascente também cantava. Lá havia passarinhos nos ramos das oliveiras e das macieiras, que estavam na encosta acima da nascente, pombas brancas, que vinham lavar-se no espelho límpido da água da fonte… Eu não me lembrava mais de tudo aquilo, porque eu tinha colocado todo o meu coração em Deus e, com exceção do pai e da mãe, amados por mim na vida e na morte, quaisquer outras coisas da terra tinham desaparecido do meu coração… Mas tu me estás fazendo pensar, Sacerdote… Devo descobrir quando foi que me dei a Deus… e por isso as coisas dos primeiros anos estão voltando à minha mente… Eu amava aquela gruta, porque, mais doce do que o canto da água e dos passarinhos, lá eu ouvia uma Voz que me dizia: “Vem, minha querida!” Eu amava aquelas ervas ornadas com gotas sonoras e parecidas com lindos diamantes, porque nelas eu via o sinal do meu Senhor, e me tornava alheia a tudo mais, ao dizer a mim mesma: “Vê como é grande o teu Deus, ó minha alma! Aquele que fez os cedros do Líbano, lá no Norte, fez também aqui estas folhinhas que se inclinam sob o peso de um mosquitinho, para alegria dos teus olhos e como anteparo para os teus pequenos pés.” Eu amava aquele silêncio das coisas puras: o vento leve, a água prateada, o asseio das pombas… eu amava aquela paz que velava sobre a pequena gruta, descendo das macieiras e das oliveiras, agora todas em flor, e depois todas carregadas de frutos… E não sei… parecia que a Voz me dissesse: “Vem, tu, minha oliva linda; vem, tu, doce maçã; vem, tu, fonte selada; vem, tu, ó minha pomba”… Doce, o amor do pai e da mãe… doce era a voz deles que me chamava… mas esta voz, esta voz! Oh! No Paraíso terrestre, penso que foi assim que a ouviu aquela que foi a culpada, e eu nem sei como foi que ela pôde preferir um sibilo a esta Voz de amor, como pôde apetecer um outro conhecimento, que não fosse o de Deus… Com os lábios, que ainda estavam com o cheiro do leite materno, mas com o coração tornado ébrio pelo mel celeste, eu disse, então: “Eis-me aqui, eu vou. Sou tua. E nenhum outro senhor terá a minha carne, senão Tu, Senhor, como outro amor não tem o meu espírito”… Parecia-me estar repetindo coisas já ditas e estar cumprindo um rito há tempo realizado, nem era estranho para mim o Esposo escolhido, porque Dele conhecia já o ardor e minha vista estava já afeita à sua luz, e minha capacidade de amar se havia completado entre os seus braços. Quando foi? Não sei. Do lado de lá da vida, eu diria, porque sinto que sempre o tive, e que Ele sempre me teve, e que eu existo porque Ele me quis para alegria do seu Espírito e do meu…