– Foi na tarde da festa. Era imprevisível o que aconteceu… Apenas duas horas antes, Herodes se havia aconselhado com João, dando-lhe depois benignamente a licença de poder ir-se. E, pouco antes que acontecesse… o homicídio, o martírio, o delito, a glorificação, Herodes lhe havia mandado um servo levando frutas geladas e vinhos raros ao prisioneiro. João havia distribuído entre nós aquelas coisas… Ele nunca mudou a sua austeridade… Só nós é que estávamos lá, porque, graças a Manaém, trabalhávamos no palácio como servos, nas cozinhas e nas estrebarias. E esta era a oportunidade que nos permitia ver sempre nosso João… Ficávamos na cozinha eu e João, enquanto Simeão vigiava os servos das estrebarias, para que tratassem com cuidado as cavalgaduras dos hóspedes… O palácio vivia cheio de grandes, de chefes militares e de senhores da Galileia. Herodíades havia se fechado em seus aposentos, depois de uma violenta cena acontecida pela manhã entre ela e Herodes…
Manaém interrompe:
– Mas, quando é que foi para lá a hiena?
– Dois dias antes. Inesperada… dizendo ao monarca que não podia viver longe dele, nem estar ausente no dia de sua festa. Uma víbora e uma feiticeira, que, como sempre, o tratava como um objeto de escárnio… Mas Herodes, pela manhã daquele dia, se havia recusado, ainda que estivesse bêbado pelo vinho e pela luxúria, a conceder à mulher o que ela estava pedindo em altos gritos… E ninguém podia pensar que fosse a vida de João!… Ela estava em seus aposentos, toda desdenhosa, tinha recusado as iguarias reais, mandadas por Herodes em bandejas preciosas. Ela só tinha retido uma bandeja preciosa, cheia de frutas, retribuindo ao presente com uma ânfora de vinho drogado para Herodes… Drogado… Ah! Drogado, o tanto necessário para que a natureza de Herodes, sempre bêbado e viciado, o levasse ao delito! Pelos servos da mesa ficamos sabendo que, depois da dança das atrizes da corte, ou antes da metade dela, havia irrompido no salão do banquete Salomé, dançando. E as atrizes, diante da menina real, se haviam retirado para perto das paredes. A dança era perfeita, segundo nos disseram. Lasciva e perfeita. Era digna dos hóspedes… Herodes… Oh! Talvez algum novo desejo de incesto lhe estivesse fermentando por dentro. Herodes, ao chegar o fim daquela dança, cheio de entusiasmo, disse a Salomé: “Dançaste bem! Eu juro que mereces um prêmio. E eu juro que te darei. Eu juro que te darei qualquer coisa, que quiseres pedir. Na presença de todos, eu juro. Pede, então, o que quiseres.” E Salomé, fingindo estar perplexa, inocente e modesta, envolvendo-se em seus véus, com ares de pudica, depois de tanta impudicícia, disse: “Permite-me, ó grande, refletir um momento. Vou retirar-me, depois virei, porque o teu favor me deixou perturbada…, e se retirou, indo conversar com sua mãe. Selma me disse que ela entrou rindo e disse à sua mãe: “Minha mãe, tu venceste. Dá-me a bandeja.” E Erodíades, com um grito de triunfo, mandou à escrava que desse à menina a bandeja, antes retida, dizendo-lhe: “Vai, e volta aqui com aquela cabeça odiada, e eu te vestirei de pérolas e de ouro.” E Selma, horripilando-se, obedeceu… Salomé tornou a entrar, dançando, na sala, e, dançando, foi prostrar-se aos pés do rei, dizendo: “Eis aqui, sobre esta bandeja, que mandaste à minha mãe, em sinal de que a amas e me amas, sobre ela eu quero a cabeça de João. Depois dançarei ainda, se isso te agrada. Dançarei a dança da vitória. Porque eu venci. Eu te venci, ó rei! Venci a vida, e estou feliz!” Isso foi o que ela disse, e que nos foi repetido por um copeiro amigo. E Herodes ficou perturbado e obrigado por duas vontades, a de ser fiel à palavra dada e a de ser justo. Mas, não soube ser justo, porque ele é um injusto. Fez sinal ao carrasco, que estava atrás da cadeira do rei, e este, tomando das mãos levantadas de Salomé a bandeja, desceu do salão do banquete para os compartimentos inferiores. Nós o vimos atravessar a corte, eu e João… e, pouco depois, ouvimos o grito do Simeão: “Assassinos!”. E, em seguida, o vimos passar com a cabeça na bandeja… João, o teu Precursor, estava morto…