Mas depois, de repente, muda de tom, para dirigir-se a alguém que ele está vendo, e lhe diz, cheio de ira:
– Ainda estás aqui? Vai-te embora. Aqui não há nada para ti. Vai-te! Entendeste? Aqui não há lugar para vagabundos…
E resmunga por entre dentes.
– … E talvez até ladrões como tu.
Uma vozinha chorosa responde:
– Tem piedade, senhor. Um pão, pelos menos, para o meu irmãozinho. Nós estamos com fome…
Jesus, que tinha entrado na ampla cozinha, muito vistosa, por causa da grande lareira, que serve também de fogão para alumiá-la, vai até a entrada. Já mudou o seu rosto. Severo e triste agora, ele pergunta, não ao hospedeiro, mas em geral, parecendo estar falando à eira silenciosa, ou à figueira despojada de folhas, ou ao poço escuro:
– Quem é que está com fome?
– Eu, Senhor. Eu e o meu irmão. Um pão somente, e nós iremos embora.
Jesus está do lado de fora, na eira, que vai ficando mais sombria, por causa do crepúsculo e de uma chuva que está para cair.
– Vêm cá –diz Ele.
– Tenho medo, Senhor.
– Vem, te digo. Não tenhas medo de Mim.
Da parte detrás da casa, aponta a pobre menina. À pequena e miserável túnica com que ela está vestida, vem agarrado o seu irmãozinho. Eles vêm vindo cheios de medo. Lançam um olhar tímido para Jesus, outro olhar espavorido para o dono da casa, que está olhando para eles de soslaio, e dizendo:
– São uns vagabundos, Mestre. E ladrões. Há pouco, eu encontrei este esgaravatando perto do lagar. Certamente queria roubar. Ninguém sabe de onde eles vêm. Não são deste lugar.
Jesus lhe presta atenção, por assim dizer. Olha, com um olhar muito fixo para a menina, que está com um rosto macilento e com as trancinhas despenteadas, com dois rabichos por detrás das orelhas, amarrados sobre a nuca com uma tirinha de trapo. Mas o rosto de Jesus não está severo ao olhar para a menina. Ele está triste, mas sorri para encorajá-la.
– É verdade que querias roubar? Dize a verdade.
– Não, Senhor. Eu tinha pedido um pouco de pão, porque estou com fome. Mas não me deram. Então, eu vi uma crosta de pão, untada com óleo, lá no chão, perto do lagar, e fui apanhá-la. Eu estou com fome, Senhor. Ontem me foi dado somente um pão, e eu o guardei para Matias… Por que não nos colocaram juntos com a mamãe no sepulcro?
A menina chora desconsoladamente, e o irmãozinho faz como ela.
– Não chores.
Jesus a consola, acariciando-a, e puxando-a para Si:
– Responde-me: de onde és?
– Da planície de Esdrelon.
– E vieste até aqui?
– Sim, Senhor.
– Faz muito tempo que morreu a tua mãe? E pai, tu não tens?
– Meu pai foi morto pelo sol, no tempo da colheita, e a mamãe na lua passada… ela e o menino que ia nascer morreram…
E o choro aumentou.
– Não tens nenhum parente?
– Nós viemos de muito longe! Não éramos pobres… Depois o pai precisou pôr-se a serviço de outros. Agora ele está morto, e minha mãe com ele.
– Quem era o patrão dele?
– O fariseu Ismael.
– O fariseu Ismael!… –(não se pode reproduzir o modo como Jesus repetiu esse nome)–. Vieste embora por tua vontade, ou foi ele que te mandou?
– Ele me mandou, Senhor. Ele disse: “Que vão para a estrada os cães esfaimados.”