Mas a voz de ouro de Maria de Magdala prorrompe com veemência:
– Desde quando, ó homem, tu te esqueces de que és servo, e achas que a nossa condescendência te permite usar modos de patrão? De quem é esta casa e o olival? Somente nós é que podemos dizer ao Rabi: “Não vades danificar os nossos bens.” Mas nós não dizemos isso. Porque um grande bem ainda seria se, para procurá-lo, os inimigos do Cristo destruíssem as plantas, os muros, e até aterrassem os valos. Porque tudo seria destruído por ter hospedado o Amor, e o Amor daria amor a nós seus fiéis amigos. Mas que venham! Destruam! Calquem! E daí? Basta que Ele nos ame, e que não sofra nada!
Jonas se vê colocado entre o medo dos inimigos e o de sua enérgica patroa, e murmura:
– E se maltratarem o meu filho…
Jesus o conforta:
– Não tenhas medo, Eu te digo. Eu não ficarei mais. Podes dizer a quem te perguntar, que o Mestre não mora mais no Getsêmani… Não, Maria! É bom fazer assim. E deixa-me agir. Eu te agradeço por tua generosidade… Mas ainda não é a minha hora! Suponho que eram fariseus…
– E sinedritas, e herodianos, e saduceus… e soldados de Herodes… e… todos… todos… Não gosto de tremer de medo… Mas, Tu estás vendo, Senhor? Eu fui correndo para avisar-te… fui à Joana… depois vim para cá…
O homem nos detém para fazer-nos notar que, pondo em risco a sua paz, já cumpriu o seu dever para com o Mestre.
Jesus sorri, com compaixão e bondade, e diz:
– Eu estou vendo! Eu estou vendo! Deus te recompense por isso. Agora, vai em paz para tua casa. Eu te mandarei dizer para onde deves mandar as bolsas, ou mandarei eu mesmo que alguém venha retirá-las.
O homem vai-se embora, e todos, menos Jesus e a Virgem Maria, o cobrem de reprovação e de escárnio. Salgada é a reprovação de Pedro, muito mais salgada é a de Iscariotes, e irônica a do Bartolomeu. Judas Tadeu não lhe diz nada, mas olha para ele de um modo bem significativo. O murmúrio e os olhares de reprovação o acompanham, saindo para isso até das fileiras das mulheres, para terminarem no foguete de Maria Madalena, a qual responde à inclinação do servo:
– Irei dizer a Lázaro que, para o banquete da festa venha buscar frangos bem gordos nas terras de Getsêmani.
– Eu não tenho galinheiro, patroa.
– Tu, Marcos e Maria sois três magníficos capões!
Riem-se todos por aquela saída rústica… maliciosa, de Maria de Lázaro, que está furiosa por ver com medo os seus dependentes, e pela falta de cuidados para com o Mestre, que ficou privado do seu ninho tranquilo no Getsêmani.
– Não te inquietes, Maria! Paz! Paz! Nem todos têm o teu coração.
– Oh! Não, infelizmente! Tivessem todos os meu coração, ó Raboni! Nem mesmo as lanças, e as flechas a mim dirigidas me fariam separar-me de Ti.
Há um murmúrio entre os homens… Maria o percebe, e responde prontamente:
– Sim. Nós o veremos. E o esperamos para breve, se isso puder servir para ensinar-vos a ter coragem. Nada me fará medo, se eu puder servir ao meu Rabi. Servir! Sim! Servir! E é nas horas de perigo que se serve, meus irmãos! Nas outras… Nas outras já não é servir! É gozar!… E não se segue o messias para gozar!
Os homens inclinam a cabeça, feridos por esta verdade.