Jesus olha para ele, e murmura:
– Vamos pôr sobre Mim também estes pecados!… Meu filho! Escuta: Eu sou a Piedade, não o terror. Também por ti é que Eu vim. Não te envergonhes por causa de Mim… Eu sou o Redentor. Queres ser perdoado. De quê?
– Do meu delito. Queres saber qual? Matei o meu irmão.
– Tu disseste: “Eu queria somente dar-lhe uma surra,” porque naquele momento estavas ofendido e irado. Mas, quando tinhas ódio e amaldiçoavas não a um, mas aos seis irmãos, não estavas sendo ofendido, nem irado. Tu o fazias como quem respira. Era uma coisa espontânea. o ódio e a maldição, e a alegria por vê-los castigados era o teu pão espiritual, não é verdade?
– Sim, Senhor. Durante dez anos, esse foi o meu pão.
– Pois bem, na realidade, o maior delito tu o começaste, desde o momento em que odiaste e amaldiçoaste. És homicida de teus irmãos seis vezes.
– Mas, Senhor, eles me haviam arruinado e odiado… E minha mãe morreu de fome…
– Queres dizer que tinhas razão, ao tirares vingança.
– Sim. Quero dizer isso.
– Não tens razão. Deus é que devia punir. Tu devias amar. E Deus te teria abençoado na Terra e no Céu.
– E, então? Ele não me abençoará nunca mais?
– O arrependimento traz consigo de volta a bênção. Mas, que dor, que aflição procuraste para ti mesmo. Muito mais do que as que te davam os teus irmãos foram as que deste a ti mesmo com o teu ódio!
– É verdade! É verdade! É um horror que já vem durando vinte e seis anos. Oh! Perdoa-me em nome de Deus. Tu estás vendo como eu sinto em mim a dor pela culpa! Eu nada peço para a minha vida. Eu sou mendigo e doente. Mas assim eu quero ficar, para sofrer e expiar. Dá-me, pois, a paz de Deus! Tenho feito sacrifícios no templo, sofrendo até fome, para ajuntar algum dinheiro para o holocausto. Mas eu não podia falar em meu delito, e não sei se terá sido aceito o sacrifício.
– Foi nulo. Ainda que cada dia tivesses oferecido um, que te adiantaria isso, se o imolavas com mentira? Rito supersticioso e inútil é o que não é precedido por uma sincera confissão da culpa. Uma culpa se ajuntava a outra e, por isso era mais do que inútil. Era uma oferta sacrílega. Que dizias tu ao sacerdote?
– Eu dizia: “Pequei por ignorância, fazendo coisas proibidas pelo Senhor, e quero fazer expiação por elas. Eu pensava: Eu sei em que foi que eu pequei, e Deus também o sabe. Mas a um homem eu não posso falar com clareza. Deus, que tudo vê, sabe que eu estou pensando é no meu pecado.”
– Estas são restrições mentais, umas escapatórias indignas. O Altíssimo odeia tais coisas. Quando se peca, procura-se fazer expiação. Não faças mais assim.
– Não, Senhor. E estarei perdoado? Ou deverei ir confessar todas as coisas uma por uma? Ou pagar com a vida a vida que eu tirei? A mim me basta morrer com o perdão de Deus.
– Estás vivo para expiar. Não poderias dar de novo o marido à viúva, nem o pai aos filhos… Antes de matar, antes de deixar que o ódio se torne dono de nós, teria sido preciso pensar! Mas, levanta-te, e caminha pelo novo caminho. Ao ires andando, encontrarás os meus discípulos. Os montes da Judeia, se fores de Tecué até Belém, certamente estão sendo percorridos por eles. Dize-lhes que Jesus te mandou, e diz que, antes de Pentecostes, Ele subirá de novo para Jerusalém, passando por Betsur e Beter. Procura Elias, José, Levi, Matias, João, Benjamim, Daniel, Isaque. Será que te lembrarás destes nomes? Dirige-te a eles em particular. E agora vamos.
– E Tu, não bebes?
– Eu bebi o teu pranto. Uma alma que volta para Deus! Nada existe de mais remunerador para Mim.
– Então, eu estou perdoado? Pois Tu disseste “Volta para Deus…”
– Sim. Estás perdoado. E não odeies mais.
O homem se inclina de novo, pois ele se havia posto de pé, e beija os pés de Jesus.