Por enquanto, vamos continuar a andar até aquele pequeno povoado. Quem poderá subir e ir procurar pão, em nome de Deus?
– Eu! Eu!
Todos querem ir. Mas Jesus retém consigo Judas de Keriot.
Depois que todos já se afastaram, Jesus lhe segura as mãos, e lhe fala cara a cara. Fica parecendo que Ele quer transmitir-lhe o seu pensamento, e sugestioná-lo, até que Judas não possa mais ter outros pensamentos que não sejam aqueles que Jesus quer.
– Judas, não faças mal a ti mesmo. Não te faças mal, meu Judas! Não é verdade que não te sentes mais calmo e feliz, e livre daquelas sanguessugas da parte pior do teu eu humano, que é uma isca que Satanás está usando tão facilmente e o mundo também? Sim. É assim que te sentes. Pois bem. Trata de preservar a tua paz, o teu bem-estar. Não faças mal a ti mesmo, Judas. Eu leio dentro de ti. Estás agora em um momento tão bom! Oh! Pudesse Eu, pudesse, à custa de todo o meu sangue, conservar-te assim, destruir até o último baluarte, no qual se aninha quem é um grande inimigo para ti, e tornar-te todo espírito, inteligência de espírito, amor de espírito, espírito, espírito!
Judas, peito a peito, cara a cara com Jesus, tendo suas mãos nas mãos dele, está quase atordoado e murmura:
– Fazer mal a mim? O último baluarte? Qual será ele?…
– Qual? Tu o sabes. Tu sabes com que é que te estás fazendo mal! É com isso de ficares cultivando pensamentos de grandeza humana e amizades, que tu supões que sejam úteis para te darem essa grandeza. Israel não te ama, podes crer. Ele te odeia, como odeia a Mim, e como odeia a quem quer que possa ter o aspecto de um provável triunfador. E tu, justamente porque não escondes o pensamento de quereres ser esse tal, és odiado. Não creias nas palavras mentirosas deles, nem em suas falsas perguntas, feitas com a desculpa de que estão se interessando por ajudar-te. Eles te rodeiam para te fazerem mal, para ficarem sabendo e poderem te prejudicar. Eu não te peço por Mim. Mas por ti, somente. Eu, se fui escolhido para ser o alvo da maldade, serei sempre o Senhor. Poderão torturar minha carne, matá-la. Nada mais do que isso. Mas tu, mas tu. A ti matariam até a tua alma… Foge das tentações, meu amigo. Dize-me que fugirás delas. Dá ao teu pobre Mestre perseguido, angustiado, esta palavra de paz!
Jesus o tomou entre os braços, e lhe vai falando palavra por palavra, perto do seu ouvido, e os cabelos de um louro escuro de Jesus se misturam com os pesados cabelos encaracolados de Judas.
– Eu bem sei que hei de padecer e morrer. Sei que minha coroa só será a do mártir. Sei que a minha púrpura só será a do meu sangue. Para isso é que Eu vim. Porque por meio desse martírio, Eu redimirei a Humanidade, e o amor, desde um tempo sem limites, a essa ação me excita. Mas Eu quereria que nenhum dos meus se perdesse. Oh! São-me todos queridos os homens, porque neles está a imagem e a semelhança de um Pai: Oh! a alma imortal que Ele criou. Mas vós, vós diletos e prediletos, vós que sois sangue do meu sangue e pupila de meus olhos, não, não, perder-vos, não! Oh! Pois não haverá outra tortura igual a esta, ainda que Satanás cravasse em Mim as suas armas, até acesas em seus enxofres infernais, e me mordesse, me amarrasse, ele, que é o Pecado, o Horror, a Repugnância, não haverá tortura igual a esta para Mim, a de um eleito que se perde… Judas, Judas, meu Judas! Mas, queres que Eu peça ao Pai, que Eu passe três vezes por minha Paixão horrível, e dessas três duas sejam só para a tua salvação? Dize-o a Mim, Amigo, e Eu o farei. Eu direi que multiplicarei até o infinito os meus sofrimentos para isso. Eu te amo, Judas, amo-te muito. E quereria, quereria dar-te a Mim mesmo, fazer de ti outro Eu, para salvar-te de ti mesmo…
– Não, não chores, não fales assim, Mestre. Eu também te amo, eu também me daria a mim mesmo para ver-te forte, respeitado, temido, triunfante. Poderei não te estar amando com perfeição. Não estar pensando com perfeição. Mas faço uso de tudo o que eu sou, e talvez dele até abuse, e, por Javé eu te juro que não me aproximarei nem dos escribas, nem dos fariseus, nem dos saduceus, nem dos judeus, nem dos sacerdotes. Eles vão dizer que eu estou doido. Mas, não me importa. Basta-me que Tu não te aflijas por mim. Estás contente? Um beijo, Mestre, um beijo para ter a tua bênção e tua proteção.