Jesus levanta a cabeça e diz:
– Em verdade Eu te digo, ó Judas, que Eu sofro e sofrerei como qualquer homem, e mais do que qualquer homem. Mas Eu posso ser feliz do mesmo modo, com uma felicidade santa e espiritual, a daqueles que obtiveram a libertação das tristezas da terra, porque abraçaram a vontade de Deus como a de uma única esposa. Eu o posso, porque superei o conceito humano, a inquietação pela felicidade, assim como os homens fazem uma ideia dela. Eu não vou atrás daquilo que, segundo o homem, constitui a felicidade, mas ponho a minha alegria justamente naquilo que é o oposto do que o homem procura como tal. Aquelas são coisas evitadas, desprezadas pelos homens, porque são tidas em conta como pesadas e dolorosas, e que para Mim representam o que há de mais doce. Eu não fico olhando a hora. Eu olho as consequências que a hora pode criar na eternidade. O meu episódio termina, mas seu fruto permanece. A minha dor tem um fim, mas os valores daquela minha dor não terminam. E que Eu faria de uma hora daquilo que chamam “ser feliz” sobre a terra, uma hora conseguida depois de uma procura durante anos e lustros seguidos, quando, depois, aquela hora não poderia vir comigo para a eternidade, como uma alegria, quando Eu tivesse que gozar dela sozinho, sem que participassem dela aqueles que eu amo?
– Mas se Tu triunfasses, nós, teus seguidores, teríamos parte na tua felicidade! –exclama Judas.
– Vós? E quem sois vós, em comparação com as multidões passadas, presentes e futuras, às quais a minha dor dará alegria? Eu estou vendo para lá da felicidade terrena. Eu lanço o meu olhar para além dela, no sobrenatural. Eu vejo a minha dor transformar-se em alegria eterna para uma multidão de criaturas. E abraço a dor como a maior força para chegar à felicidade perfeita, que é a de amar o próximo até no sofrimento, para dar-lhe alegria. Até em morrer por ele.
– Não compreendo essa felicidade –exclama Judas.
– Ainda não és sábio. Se o fosses, tu a compreenderias.
– E João o é? Ele é mais ignorante do que eu.
– Humanamente, sim. Mas possui a ciência do amor.
– Está bem. Mas eu não creio que o amor impeça aos bastões de serem bastões e às pedras de serem pedras e de dar dor às carnes que eles ferem. Tu dizes sempre que te é querida a dor porque para Ti é amor. Quando realmente fores preso e torturado, sempre que isso for possível, não sei se terás ainda esse pensamento. Pensa nisso, enquanto podes fugir da dor. Pois ela será bem forte, sabes? Se os homens te puderem prender, oh! não usarão de nenhuma consideração para contigo!
Jesus olha para ele e está muito pálido, mas seus olhos bem abertos parecem estar vendo, para além do rosto de Judas, todas as torturas que o esperam e, assim mesmo, em sua tristeza, continuam mansos e doces, e sobretudo serenos: dois olhos límpidos de um inocente em paz. E Jesus lhe responde:
– Eu o sei, Eu sei também aquilo que tu não sabes. Mas Eu espero na misericórdia de Deus. Ele, que é misericordioso para com os pecadores, usará de misericórdia também para comigo. Eu não lhe peço para não sofrer, mas para saber sofrer.