– Tudo o que Eu disse antes ao povo é agora aperfeiçoado, para vós que, do meio dele, sois os escolhidos.
Pelo apóstolo Simão de Jonas me foi dito: “Quantas vezes deverei perdoar? A quem? E por quê?” Eu lhe respondi em particular, e agora repito a todos a minha resposta quanto ao que é justo que fiqueis sabendo desde já. Ouvi quantas vezes, e como, e porque se deve perdoar.
É preciso perdoar como Deus perdoa e Ele, se alguém peca mil vezes, e depois se arrepende, perdoa mil vezes. Contanto que veja que no culpado não há mais desejo do pecado, mas que este é apenas produzido pela fraqueza do homem. No caso de persistência voluntária no pecado, não pode haver perdão para as culpas cometidas contra a Lei. Mas, enquanto essas culpas produzirem em vós a dor, perdoai individualmente. Perdoai sempre a quem vos faz mal. Perdoai para serdes perdoados, porque também vós tendes culpas para com Deus e para com os irmãos. O perdão abre o Reino dos Céus, tanto para o perdoado, como para o que perdoa. Isto é semelhante a este fato, que aconteceu entre um rei e os seus súditos.
Um rei quis ajustar as contas com seus súditos. Chamou-os, pois, um depois do outro, começando por aqueles que estavam em mais alta posição. Chegou um que lhe devia dez mil talentos. Mas o súdito não tinha com que pagar o adiantamento que o rei lhe havia concedido para que ele pudesse construir casas e fazer outros diversos serviços, na verdade por muitos motivos, uns mais e outros menos justos, e não tinha usado com o necessário cuidado da soma recebida para fazer aquelas coisas. O rei patrão, indignado pela preguiça do súdito, e pela falta do cumprimento da palavra por parte dele, mandou que ele fosse vendido, ele, a mulher, os filhos e tudo o que ele tinha, até que desse para pagar a sua dívida. Mas o súdito se jogou aos pés do rei e, entre prantos e súplicas, assim lhe rogava: “Deixa-me ir. Tem um pouco de paciência ainda comigo, que eu te pagarei tudo o que te devo, até o último centavo.” E o rei, com dó de todo aquele sofrimento — era um rei bondoso — não somente resolveu atender ao homem, mas depois, tendo ficado sabendo que, entre as causas da pouca atividade daquele homem e da falta do pagamento, havia também a de que ele tinha estado doente, resolveu perdoar-lhe a dívida.
O súdito saiu dali e, feliz, ia indo embora. Mas, ao sair, encontrou no caminho um outro súdito, um pobre homem a quem ele havia emprestado cem denários, tirados dos dez mil talentos recebidos do rei. Animado pelo favor que o rei lhe fizera, achou que agora podia fazer tudo o que quisesse e, agarrando aquele infeliz pelo pescoço, lhe disse: “Entrega-me já o que me deves.” Foi em vão que o pobre homem, chorando, beijando-lhe os pés e gemendo, lhe dizia: “Tem piedade de mim, que sou um infeliz. Tem um pouco de paciência, e eu te pagarei tudo, até o último centavo.” O súdito desapiedado chamou os soldados e fez levar para a prisão o infeliz, até que ele se decidisse a pagar-lhe, sob a pena de perder a liberdade, ou até a vida.
O acontecido chegou ao conhecimento dos amigos do infeliz, os quais, muito entristecidos, foram contá-lo ao rei e patrão. E este, posto a par do que lhe contaram, mandou que levassem à sua presença aquele servidor desapiedado e, olhando severamente para ele, disse: “Servo iníquo, eu te havia ajudado antes, para que te tornasses misericordioso, e para que pudesses ter riqueza, e te ajudei também, ao perdoar a tua dívida, por causa de quanto me imploravas que eu tivesse paciência. Tu não tiveste dó do teu semelhante, enquanto que eu, o rei, de ti me compadeci. Por que não fizeste a ele o que eu fiz a ti?” E, irado, o entregou aos carcereiros para que o detivessem até que ele tivesse pago tudo, dizendo: “Como ele não teve dó de alguém que bem pouco lhe devia, ao passo que recebeu de mim, que sou o rei, tanta piedade, que ele não ache agora piedade em mim.”