– Está bem. As duas bastam. Tu fizeste bem em trazê-las. Mas agora, antes de bebermos o terceiro cálice, espera um momento. Eu vos disse que o maior é igual ao menor e que Eu estou com a veste de um servo a serviço desta mesa, e vos procurarei servir bem. Até agora, eu vos dei alimento. Este foi um serviço prestado a vosso corpo. Mas agora quero prestar-vos um serviço ao vosso espírito. Esse não é um prato servido no rito antigo. Mas o é no rito novo. Eu quis fazer-me batizar, antes de ser o “Mestre.” E para divulgar a palavra, bastava o batismo. Agora vai ser derramado o Sangue. Torna-se necessário um outro banho sobre vós que fostes purificados pelo Batista em seu tempo e hoje também no Templo. Mas isso ainda não basta. Vinde a Mim para que Eu vos purifique. Vamos parar esta refeição. Há uma coisa mais alta e necessária do que o alimento que é dado ao ventre para que ele se encha, mesmo que seja um alimento santo como este do rito pascal. E é um espírito puro, pronto para receber o dom do céu, que já desce a fim de fazer para Si um trono em vós e dar-vos a Vida. Dar a Vida a quem estiver limpo.
Jesus põe-se de pé, faz que João se levante, para poder sair mais facilmente de seu lugar, vai a um baú, tira a veste vermelha e a põe dobrada sobre o manto, que já está dobrado, põe na cintura uma grande toalha, depois vai a uma outra bacia, ainda vazia e limpa. Põe a água nela e a transporta para o meio da sala, para perto da mesa, colocando-a sobre um escabelo. Os apóstolos, estupefatos, ficam olhando para Ele.
– Não me perguntais o que Eu estou fazendo?
– Nós não sabemos. Eu te digo que nós já nos purificamos –responde Pedro.
– Eu te digo que isso não importa. A minha purificação servirá para que quem já está puro fique ainda mais puro.
Ele se ajoelha. Descalça as sandálias dos pés de Iscariotes e de um por um dos outros, e lhes lava os pés. É fácil fazê-lo, porque os leitos-cadeiras são feitos de tal modo que os pés fiquem do lado de fora. Judas está assombrado e nada diz. Somente quando Jesus, antes de calçar-lhe o pé esquerdo para levantar-se, faz o gesto de ir beijar-lhe o pé dentro da sandália, Judas retira violentamente o pé e bate com a sola na boca divina. Ele o fez sem querer. Não foi uma pancada forte. Mas me causa muita dor. Jesus sorri, e ao apóstolo que lhe pergunta: “Será que te machuquei? Foi sem querer. Perdoa”, Jesus lhe diz:
– Não, amigo. Fizeste isso sem malícia e não faz mal.
Judas olha para Ele… É um olhar perturbado, fugidio…
Jesus passa para Tomé, depois para Filipe… Dá uma volta pelo lado estreito da mesa e vai ao seu primo Tiago. Lava-lhe o pé e o beija, ao levantar-se à frente dele. Passa em seguida a André, que está vermelho de vergonha e fazendo esforço para não chorar, e o lava e acaricia, como se ele fosse um menino. Depois é a vez de Tiago de Zebedeu, que só sabe murmurar:
– Oh! Mestre! Aniquilado, mas sublime Mestre meu!
João já desatou as sandálias e, enquanto Jesus está inclinado, enxugando-lhe os pés, ele se inclina e o beija sobre os cabelos.
Mas Pedro!… Não é fácil persuadi-lo a aceitar aquele rito!
– Tu, lavares os meus pés? Nem penses nisso! Enquanto eu estiver vivo não te permitirei. Eu sou um verme. E Tu és Deus. Cada qual em seu lugar.
– O que Eu estou fazendo, tu não o podes compreender, por enquanto. Mas depois o compreenderás. Deixa-me fazê-lo.
– Tudo o que quiseres, Mestre. Queres cortar-me o pescoço? Podes fazê-lo. Mas lavar-me os pés, não o farás.
– Oh! meu Simão! Não sabes tu que se Eu não te lavar os pés, não terás parte no meu Reino? Simão, Simão! Tu tens necessidade desta água para a tua alma e para o grande caminho que tens ainda que percorrer. Não queres ir comigo? Se Eu não te lavar, não irás para o meu Reino.
– Oh! Senhor meu bendito! Lava-me todo: os pés, as mãos e a cabeça!
– Quem tomou, como vós, um banho, não tem mais necessidade senão de lavar os pés, pois já está inteiramente puro. Os pés… O homem com seus pés anda por cima das sujeiras. E isso ainda seria pouco, pois, como Eu vos disse, não é o que entra e sai com o alimento que suja, não é aquilo que pelo caminho suja os pés que contamina o homem. Mas é o que incuba e amadurece me seu coração e dali sai para contaminar as suas ações e os seus membros. Os pés do homem de intenções impuras o levam para as crápulas, para as luxúrias, para os comércios ilícitos, para os delitos. Por isso eles são, entre os membros do corpo, os que tem uma grande parte para purificar… junto com os olhos, com a boca… Oh! O homem! O homem! Outrora ele foi uma criatura perfeita: o primeiro homem! Mas depois até que ponto ele ficou, corrompido pelo Sedutor! Antes não havia em ti malícia, ó homem, não havia pecado!… Mas agora? És todo malícia e pecado, e não há em ti nenhuma parte que não peque!
Jesus já lavou os pés de Pedro e os beija. Pedro chora e toma em suas grossas mãos as mãos de Jesus, as passa sobre seus olhos, e depois as beija.
Também Simão tirou as sandálias e, sem dizer nada, se deixa lavar. Mas, depois, quando Jesus vai passar para Bartolomeu, Simão se ajoelha e lhe beija os pés, dizendo:
– Purifica-me da lepra do pecado, como me purificaste da lepra do corpo, a fim de que eu não seja confundido na hora do juízo, meu Salvador!
– Não tenhas medo, Simão. Tu irás para a Cidade Celeste mais branco do que a neve dos Alpes.
– E eu, Senhor? Ao teu velho Bartolomeu, que é que dizes? Tu me viste sob a sombra da figueira e leste no meu coração. E agora, que é que estás vendo, e onde me estás vendo? Encoraja este pobre velho que tem medo de não ter força nem tempo para chegar a ser como Tu queres que sejamos.
Bartolomeu está muito comovido.
– Também tu, não tenhas medo. Naquela ocasião, Eu disse: “Aí está um verdadeiro israelita no qual não há fraude.” E agora Eu te digo: “Eis aí um verdadeiro cristão, digno do Cristo.” Onde é que te vejo? Sobre um trono eterno, vestido de púrpura. E Eu estarei sempre contigo.
Chegou a vez de Judas Tadeu. Quando ele vê Jesus a seus pés, não sabe conter-se: inclina a cabeça sobre o braço que está apoiado na mesa e chora.
– Não chores, meu querido irmão. Agora és como alguém que precisa suportar a ruptura de um nervo, e te parece que não a vais poder suportar. Mas a dor será breve. Depois… oh! Tu serás feliz, porque me amas, tu. Tu te chamas Judas. E és como o nosso grande Judas, como um gigante. Tu és aquele que protege. As tuas ações são as de um leão, de um leãozinho que ruge. Tu tirarás da cova os ímpios, que diante de ti recuarão, e ficarão aterrorizados os iníquos. Uma eterna união formará e tornará perfeito o nosso parentesco no Céu.
E o beija também na fronte, como fez com o outro primo.
– Eu sou pecador, Mestre. A mim, não…
– Tu eras pecador, Mateus. Agora és o Apóstolo. Tu és uma minha “voz.” Eu te abençoo. Estes pés, por quantos caminhos passaram para virem sempre para a frente, para Deus… Tua alma os esporeava e eles iam deixando todos os caminhos, que não fossem o meu caminho. Vai para a frente. Sabes onde é que termina a senda? No seio do Pai meu e teu.
Jesus terminou. Ele tira a toalha da cintura e lava as mãos em água limpa. Torna a vestir-se, volta para o seu lugar, e diz, enquanto vai-se assentando em sua cadeira:
– Agora estais puros, mas não todos. Somente aqueles que tiveram vontade de estar assim.
Jesus olha fixamente para Judas, que fica parecendo que não ouve, ocupado em explicar ao companheiro Mateus como foi que seu pai se decidiu a mandá-lo para Jerusalém. Uma explicação inútil, que só tem por único fim dar um pretexto a Judas que, por mais ousado que seja, deve estar sentindo-se fora do lugar.