Jesus está no quarto, iluminado por uma lamparina tremulante, porque é ainda muito fraca a luz do dia para iluminar o quarto amplo, no qual a cama fica no fundo, bem distante da única janela. Ele a chama com doçura:
– Maria! Maria de Simão!
A mulher está quase delirando e não ouve aquela voz. É como se ela estivesse ausente, arrebatada pelos redemoinhos de sua dor, e fica repetindo as ideias que tomaram conta do seu cérebro, monotonamente, como o tique-taque de um pêndulo:
– A mãe de Judas! O que foi que eu gerei? O mundo grita: “A mãe de Judas.”
Jesus tem duas lágrimas no canto de cada um de seus olhos dulcíssimos. E elas me fizeram ficar muito admirada. Eu não pensava que Jesus pudesse ainda chorar, depois de ter ressuscitado… Ele se inclina. A cama é tão baixa para Jesus, que é tão alto! Ele põe a mão sobre aquela fronte febril, afastando as peças umedecidas pelo vinagre, e diz:
– Um infeliz… É isso, e nada mais. Se o mundo grita, Deus cobre o grito do mundo, dizendo-te: “Tem a paz, porque Eu te amo!” Olha para Mim, pobre mãe! Recolhe o teu espírito desnorteado e coloca-o nas minhas mãos. Eu sou Jesus!…
Maria de Simão abre os olhos como se estivesse saindo de um íncubo e vê o Senhor, sente a mão Dele sobre sua fronte, leva as mãos trêmulas ao rosto e geme:
– Não me amaldiçoes! Se eu tivesse sabido o quê iria gerar, teria arrancado minhas vísceras para impedir que ele nascesse.
– Mas assim terias pecado. Maria! Oh! Maria. Não saias de tua justiça por causa da culpa de um outro. As mães que cumpriram sua tarefa não devem considerar-se responsáveis pelos pecados dos filhos. Tu fizeste o teu dever, Maria. Dá-me as tuas pobres mãos. E fica tranquila, pobre mãe.
– Eu sou a mãe de Judas. Sou imunda, como tudo aquilo que foi tocado por aquele demônio. Mãe de um demônio! Não toques em mim.
Ela se esforça para escapar das Mãos divinas que a querem tocar.
As duas lágrimas de Jesus caem sobre o rosto dela, que está ardendo de febre.
– Eu te purifiquei, Maria. O meu pranto de piedade está sobre ti. Sobre ninguém Eu chorei, desde quando Eu consumei a minha dor. Mas sobre ti Eu choro, com toda a minha amorosa piedade.
E tendo conseguido segurar-lhe as mãos, Jesus se assenta, sim, isso mesmo, se assenta à beira da pequena cama, conservando entre as suas aquelas duas mãos trêmulas.
A piedade amorosa dos seus fúlgidos olhos acaricia, enfaixa, trata da infeliz que vai-se acalmando, chorando em silêncio, e que murmura:
– Não tens rancor de mim?
– O que eu tenho é amor. E vim aqui para isso. Tem paz!
– Tu me perdoas. Mas e o mundo? E a tua Mãe? Ela me odiará.
– Ela pensa em ti como se pensa numa irmã. O mundo é cruel. É verdade. Mas minha Mãe é Mãe do Amor, e é boa. Tu não podes andar pelo mundo, mas Ela virá a ti quando tudo estiver em paz. O tempo traz a paz…
– Faze-me morrer, se me amas…
– Espera um pouco. O teu filho não soube dar-me nada. Mas tu, dá-me um tempo do teu sofrimento. Será breve.
– Meu filho te deu demais…Ele te deu um horror infinito.
– E Tu, a dor infinita. O horror já passou. Não serve mais. Mas a tua dor serve. Ela se une a estas minhas chagas, e as tuas lágrimas unidas ao meu Sangue lavam o mundo. As tuas lágrimas estão entre o meu Sangue e o pranto de minha Mãe, e ao redor de tudo isso estão a dor dos santos, que sofreram por Cristo e pelos homens, por amor a Mim e aos homens. Pobre Maria!
Jesus a acomoda docemente, cruza as mãos dela, e fica olhando enquanto ela se acalma…